Compensa vender carne de porco para a China?

A resposta é complexa também para outros produtos agropecuários comercializados pelo Brasil

Há mais de 20 anos, volta e meia alguém me pergunta se "tem mercado na China" para isso ou aquilo. Sim, respondo, na China tem mercado para tudo, e pode-se vender tudo lá, desde que o seu preço seja competitivo. E aí, invariavelmente, a pessoa complementa a pergunta em tom blasé com a clássica "se você souber de alguém interessado..." – como se não estivéssemos tratando da segunda maior economia do mundo, com dez vezes mais consumidores do que no Brasil.

Agora, com o estardalhaço causado pela gripe surgida na China, muita gente está repensando ir a feiras em abril e maio, em Guangzhou, Shanghai e Beijing, e é bem possível até que algumas delas sejam adiadas, tal o temor de que a epidemia se torne mundial.

Foi nesse novo contexto que suinocultores me perguntaram se "compensa vender carne de porco" para a China. Deixei a resposta no ar, imaginando que, com certeza, eles sabem melhor do que eu se compensa ou não vender carne de porco para qualquer país, inclusive para a China. Mas fiquei pensando como é complexa a resposta correta para esse produto – e não apenas para ele, mas também para muitas outras matérias-primas agropecuárias vendidas pelo Brasil para a China.

A complexidade dessa venda para a China tem a ver com dois fatos básicos: o país é o maior consumidor e o maior produtor de carne de porco do mundo, com 48,5% do total produzido em 2019 (em 2018 chegou a 54%). Os Estados Unidos são o segundo maior produtor, com 12,4% do total mundial, e o Brasil o terceiro, com quase 4%. Entre a China e os Estados Unidos está a União Europeia, com 24%.

Como a China diminuiu 5,5 pontos percentuais – mais do que toda a produção brasileira – a sua participação mundial, em decorrência da epidemia de peste suína africana, ela comprou fora muita carne de porco (e de frango) em 2019 e seguirá comprando esse ano com a voracidade habitual, negociando pesado para comprar o que necessita sem pagar muito mais do que o preço normal.

Por isso, conhecendo a lógica chinesa de soberania alimentar (ser autossuficiente nos principais alimentos) e a resistência histórica do país a importar carne de porco, e pensando a médio prazo, considero ser muito arriscado empresas brasileiras aumentarem muito a produção em função do mercado atual chinês, porque dentro de poucos anos a China voltará a produzir em volume suficiente para o consumo interno e aí deixará de comprar o excedente produzido no Brasil para tão grande consumidor.

Talvez compense vender carne de porco para o gigante asiático, se for em associação com uma empresa chinesa desse segmento, porque ela está dentro do "grande jogo", tem seus canais próprios de distribuição etc. Dependendo no negócio realizado, essa poderá ser a maneira de assegurar seu quinhão no mercado interno chinês, mesmo após eles voltarem a fechar as portas para suinocultores estrangeiros.

Essa fórmula deverá se tornar comum para vários produtos agropecuários no Brasil, Argentina e em alguns outros países, em especial africanos, porque dribla uma questão vital na China: a falta de água. E em menor escala, a falta de espaço, em decorrência da redução da área agricultável no país, hoje inferior aos 110 milhões de hectares considerados o mínimo necessário à segurança alimentar. 

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Sábado, 14 Dezembro 2024

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