Pra dizer adeus

Demissões à distância – e sem escalas
O filme, de mais de uma década atrás, poderia soar datado, dada a profusão de celulares BlackBerry, mensagens de texto e carros fora de linha, não fosse antecipador de uma tendência que ganhou impulso desde a pandemia: o teletrabalho

Em "Amor sem escalas" (2009), George Clooney vive um profissional cujo trabalho é percorrer os Estados Unidos demitindo pessoas. Tal qual um recrutador terceirizado às avessas, ele é contratado por empresas que preferem delegar o comunicado de dispensa a alguém tido como imparcial e devidamente preparado para enfrentar a reação nem sempre amigável dos recém-desempregados. A tentativa de implementar um sistema de demissão por videochamadas desafia seu personagem a provar que a velha abordagem, in loco, ainda é a mais adequada, porque humana – além de pessoalmente conveniente, pois lhe rende valiosas milhas aéreas.

O filme, de mais de uma década atrás, poderia soar datado, dada a profusão de celulares BlackBerry, mensagens de texto e carros fora de linha, não fosse antecipador de uma tendência que ganhou impulso desde a pandemia: o teletrabalho – e a consequente contratação e exoneração de profissionais à distância. Esta última, especialmente.

Em fins de 2021, um CEO foi objeto de pesadas críticas por demitir 900 empregados de uma tacada só, em uma chamada pelo Zoom salpicada de cinismo ("se você está nessa reunião, faz parte do grupo de azarados que será cortado", disse, na abertura). Ao menos, fez o anúncio ao vivo; numa fintech sueca, a mensagem de vídeo destinada a 700 desafortunados foi pré-gravada. Em meados de 2020, professores de uma universidade particular paulista ficaram sabendo do seu desligamento por um aviso no software de aulas virtuais. E, na Amazon, entregadores freelancers que não cumprem metas são excluídos pelo algoritmo, praticamente sem direito à apelação. Nesses dois últimos casos, repare, não havia nem uma figura humana para transmitir a má notícia.

Um sinal da frieza das relações profissionais atuais? Em termos. O trabalho remoto permitiu que funcionários fossem selecionados e contratados por chamadas de vídeo, não raro de lugares distantes da sede de muitas companhias, principalmente as de tecnologia. Se o recrutamento e a labuta ocorrem online, é presumível que o desligamento também. Contardo Calligaris escreveu, a propósito de relacionamentos amorosos que iniciavam pela internet, que "se aceitamos que o virtual facilite a abordagem e as primeiras trocas, por que não deixaríamos que o virtual facilite também as despedidas?" (Folha de S. Paulo, 11/11/2010). Parece valer o mesmo princípio para as organizações.

Estas, no entanto, emprestam sempre uma racionalidade burocrática a eventos que podem ser individualmente traumáticos. Daí que a tão comentada "desistência silenciosa", que tem tomado as rede sociais nas últimas semanas, pareça uma resposta a esses tempos de precariedade nos vínculos entre corporações e colaboradores: uma geração de trabalhadores sente-se endossada a fazer apenas o estritamente necessário pois não vê recompensa no horizonte.

E porque sabe que, na vida real, não vai haver nenhum George Clooney do outro lado da tela para consolá-la.

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Quinta, 21 Novembro 2024

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