Uma dica de Paulo Gustavo

Estou convencido de que o conhecimento da matemática faz bons cidadãos. Apesar da aridez que ela pode inspirar a alguns, a verdade é que boa parte da aversão decorre da má sorte que muitos de nós tivemos com professores de baixa vocação para o ensino...
Uma dica de Paulo Gustavo

Estou convencido de que o conhecimento da matemática faz bons cidadãos. Apesar da aridez que ela pode inspirar a alguns, a verdade é que boa parte da aversão decorre da má sorte que muitos de nós tivemos com professores de baixa vocação para o ensino, e que não conseguiram transmitir uma disciplina que para muitos é poesia pura. Já nem preciso dizer que foi esse precisamente o meu caso, aquinhoado que fui pelo pior quarteto de mestres na área que poderia ter se abatido sobre a cabeça de um só vivente. Em consonância com o que escrevi acima, tenho certeza de que eram pessoas virtuosas e bem intencionadas. Mas o desestímulo de sua pregação ligado ao interesse que me despertavam outras matérias, tornou as aulas um suplício tão iracundo que ainda hoje tenho pesadelos recorrentes com aquelas cantilenas sem alma. A lousa atapetada de números e letras era a imagem do inferno nas minhas fantasias.  

Isso não quer dizer que eu tenha me notabilizado em outras disciplinas. Tenho certeza de que nunca aprendi de cor uma única regra de português e tudo o que sabia de história, geografia e ciências decorria mais de meu interesse em ler sofregamente o que me caísse nas mãos, obsessão que, se duvidar, me persegue até hoje. Ocorre que o tempo é escasso e sou daqueles que terão de trabalhar pelo próprio sustento até o fim. Daí ter de me pautar por um mínimo de seletividade sob pena de sucumbir à minha própria angústia. E transformar em suplício o que poderia ser puro prazer. É interessante que essa preocupação me assole especialmente às vésperas dos feriados, período em que normalmente nos abraçamos a um livro. E bons acasos podem resultar em boas dicas. Com tantas lacunas a preencher, mormente no âmbito dos clássicos, é importante atentar para as prioridades de pessoas qualificadas. 

Foi, portanto, com muita alegria que li o texto primoroso do velho amigo e imortal da Academia Pernambucana de Letras Paulo Gustavo (foto) sobre esse imenso autor que foi Marcel Proust. Não incorreria em exagero se dissesse que nunca me senti tão tentado a conhecer um escritor quanto agora, depois dessa exortação provocadora e divertida. O que li de Proust até hoje? Uma fração ínfima do que nos legou. Em minha longa vivência com a língua francesa, cruzei caminhos com ele na dissecação por vezes exaustiva (então assim me parecia) de enormes parágrafos para efeitos de preparação para os exames da Universidade de Nancy, cujas etapas percorri ao longo dos três anos letivos. Não obstante a intimidade com o idioma, lamento não ter despertado mais cedo para o Proust que Paulo Gustavo nos revela, o que foi um desperdício de recursos.

Nesse contexto de acerto de contas com o passado, revirando a biblioteca e na confusão das caixas que despejam livros em todas as direções, achei uma linda edição comprada na França há mais de 20 anos. Será na companhia dela que tentarei passar ao largo da crônica melancólica dos jornais dos próximos dias. Por mais que se refugiar nos bons livros possa parecer um exercício de alienação vis-à-vis a realidade que nos circunda, pois bem, que assim pareça. Ocorre que nada do que vem à baila é propriamente novo. Muito embora tudo leve a crer que a exumação que se fará das entranhas da República possa, pelo menos dessa vez, remeter o Brasil aos trilhos positivistas de sua bandeira. Nos momentos de paz e bonança, portanto, quando a Humanidade – ou parte dela – celebra eventos de maior transcendência espiritual, espero estar na companhia de Marcel Proust, "à procura do tempo perdido". A partir de segunda-feira, retomamos as pautas mais mundanas. Feliz Páscoa e boas leituras. 

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Quinta, 12 Dezembro 2024

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