Um país de experts
De Paris (França)
Uma das coisas que mais fascinam e mais intrigam os estrangeiros é a tendência de nosso povo a deitar falação sobre temas de relativa (ou muita) complexidade, com grande fluência e familiaridade. Nunca vou esquecer da expressão de meu amigo Bibiloni, um catalão com quem eu trabalhava no começo do milênio, ao me ouvir conversar sobre o custo de vida com um garçom que nos servia em Santa Catarina. "O problema, doutor, é que as pessoas se endividam na base da empolgação. Quando compram um carro, elas não estão adquirindo um motor sobre quatro rodas de borracha. Elas estão abraçando um estilo de vida ligado à liberdade. Vão começar a fazer viagens curtas, levar familiares no banco de trás, parar para almoçar num restaurante, ir a uma praia. Então vem o seguro, o IPVA, os pneus, o combustível e a manutenção. Além da prestação. Em pouco tempo, o carro gastará tanto quanto a família. Vem uma demissão, um acidente de percurso, e o desastre está feito." Meu amigo ficou perplexo. "Esse homem tem uma visão integrada da economia que nem todo professor universitário tem. Caramba."
Outro dia um motorista de táxi me deu uma aula sobre dosimetria jurídica e teceu comentários agudos e muitas vezes pertinentes sobre cada um dos ministros do STF. Parecia que falava da escalação de um time de futebol, no que também certamente é bom. "O defeito do Celso é que profere votos muito longos, quando ele podia, como decano, sintetizar e deixar o voto completo na internet para a estudantada aprender. O Gilmar gosta de entrar em bola dividida e acho que é necessário ter um cara feito ele para quebrar a unanimidade. Ele polemiza, mas é bom justamente por isso. O Barroso é um cara sério, acho que chegou ali batizado, depois de superar um câncer. Já o Toffoli é meio enganador, fez uma espécie de madureza para entrar ali, mas é malandro. O Alexandre Moraes tem a política no sangue, é muito aplicado. Acho que ele tem lado, não é de todo isento, mas isso não é ruim. Tem um carioca que me parece malandríssimo, mas desse prefiro não falar." Imagine-se um taxista de Roma, Lisboa, Madri ou Istambul falar com esse grau de intimidade da Justiça, dos membros da corte máxima. Mal devem saber o nome dos membros.
Durante muitos anos, eu cheguei a pensar que em nenhum outro tema taxistas, garçons, engraxates e cobradores – além de médicos, advogados, catedráticos e antropólogos – fossem se superar quanto nas digressões que faziam sobre a economia. Em nenhum outro país se ouviam explicações tão doutas sobre o déficit fiscal, o superávit primário e as interações previdenciárias. "Se não fossem as commodities agrícolas e minerais, estaríamos no buraco. Teríamos déficit crônico na balança comercial e o dólar alto iria frear as importações, o que seria um entrave aos ganhos de produtividade. Afinal, são os bens de capital que assinalam a perspectiva de futuro." Pois bem, agora achamos um terreno mais polêmico. Meu amigo Alex contou sobre a aula magna que recebeu do zelador do prédio dele no Recife sobre a Covid-19. "Pode escrever, cara, não é todo urgentista que conhece tanto de procedimento de entubação, ventilação mecânica, tempestade viral e septicemia quanto ele. Falou de cloroquina como eu falo do Santa Cruz. Disse até que o uso só não está liberado porque o Soros quer derrubar o presidente."
São dádivas e mazelas de uma gente sofrida que, vejam bem, em 7 de março contabilizava sua primeira morte por coronavírus. Em 17 de abril, 2.141. E ontem, em 17 de maio de 2020, 15.633 óbitos. Enquanto os "experts" estão nos táxis pregando sobre os efeitos redentores do nióbio, estamos bem. O problema é quando entram nas salas do poder e lá se instalam.
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