Trio de ouro do Paraná
Uma reunião de trabalho na manhã desta primeira segunda-feira de horário de verão, remeteu-me a uma quadra de vida que, embora não tenha sido longa, foi uma das mais férteis em aprendizado das tantas que vivi. Como gosto de contextualizar, convido-os a retrocedermos o calendário em 30 anos. Com metade da idade que tenho hoje, e começando a surfar o que seria um ponto memorável da vida profissional, eis que me vi solteiro, morando em São Paulo e rodando o mundo freneticamente, com a energia dos que têm pressa, e que, por dever de ofício, projetavam seus horizontes na direção de todos os continentes. Embora vivesse entre aviões, hotéis e escritórios, é claro que a vida palpitava febrilmente e, um belo dia, comecei a namorar com uma curitibana.
Nessa época, eu era diretor de uma grande indústria nos confins da periferia leste de São Paulo, quase Guarulhos. No fim da tarde das sextas-feiras, portanto, eu tomava o curto voo até Curitiba (foto) e lá respirava aqueles ares que fazem da capital paranaense até hoje uma experiência única. Hospedava-me no Iguaçu Campestre, jantávamos no Bologna e íamos a um eventual espetáculo no Teatro Guaíra. No auge da madrugada, saíamos para um drinque com o amigo Luiz Lombardi, bailarino, e eu ali mesmo perscrutava as sombras à procura dos vampiros de Dalton Trevisan. Minha namorada divertia-se com meu sotaque nordestino e eu com o dela, tão metalizado. A desvantagem é que os fins de semana eram curtos e logo estava voando de volta. Mas era do jogo.
Não sei bem quantas vezes isso se repetiu mesmo porque ela tinha familiares em São Paulo e, meses mais tarde, nos veríamos mais em Nova York do que no Brasil. Do muito que ficou desse convívio, contudo, não tenho como dissociar Curitiba de três homens cujas trajetórias muito me impressionavam. Foram eles Saul Raiz, Jaime Lerner e Maurício Schulman. Não os conheci todos uniformemente. O mais próximo foi o primeiro, pai de minha namorada. Mas a ligá-lo aos amigos, destacavam-se alguns traços: o carinho extremo que pareciam devotar às famílias. A simplicidade de trato. E o brilhante percurso que trilharam, invariavelmente a serviço do Brasil. Hoje octogenários, alguém poderia dedicar um estudo sobre que elementos concorreram para concentrar tanto mérito e virtude.
Schulman, o que conheci menos, sempre fora objeto de conversas entre meu pai e tios, lá no Nordeste. Além de ter presidido a Eletrobras, teve marcada atuação no Banco Nacional de Habitação. Egresso da companhia de eletricidade do Paraná, foi um verdadeiro coringa na alta burocracia estatal. Onde esteve, deixou a marca da seriedade e competência, e passou ao largo da tentação das urnas. Lerner, o mais notório do trio para o grande público, foi um dos urbanistas mais consagrados do mundo e fez de Curitiba uma cidade-modelo. Consultor de metrópoles, amante das artes e comunicador discreto, quase bonachão, estabeleceu um benchmarking para os homens públicos que ofuscou, indistintamente, carreiristas e argentários de toda sorte. Um case, de fato.
Quanto a Saul Raiz, já tinha sido prefeito de Curitiba quando o conheci e tentara se lançar em outros voos. Mas foi uma sólida carreira no grupo Klabin que terminou por falar mais alto. Costumávamos nos divertir com o fato de que, apesar da diferença de gerações, tínhamos um passado a nos unir. Isso porque ele fora, como eu, diretor da Companhia Nitro Química Brasileira, nos tempo em que o controle acionário não era exclusivo da Votorantim. Pois bem, há muitos anos que não fazia essas reflexões para mim mesmo. Mas, como a vida é eivada de marcas proustianas, bastou um dedo de prosa para que a vida desfilasse em retrospectiva como num filme. Membros ativos da pequena comunidade judaica curitibana, o Brasil muito deve a este trio de filhos abnegados.
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