Sabendo gastar, não vai faltar
O Fundo Monetário Internacional (FMI) não é muito otimista com o quadro do Brasil pós-coronavírus. Além de uma forte recessão em 2020 (estimativa de queda do PIB de 5,3% feita em meados de abril), prevê para o país a retomada mais fraca entre os emergentes, com crescimento de 2,9% em 2021, contra 4% na América do Sul e 6% na média das nações em desenvolvimento. Segundo o FMI, a nossa dívida bruta pode chegar a 98% do PIB, contra 63% dos emergentes. O que nos coloca em desvantagem, aponta, são os recorrentes resultados fiscais ruins.
A delicada situação das nossas contas públicas certamente não provém da falta de receitas, isto é, de baixa carga tributária. Pelo contrário: os brasileiros são os que mais pagam impostos, entre os seus pares e, além disso, temos a pior relação no mundo entre tributos pagos e serviços devolvidos à sociedade. O problema está no excesso de gastos públicos e na má qualidade desses gastos em todos os poderes e em todos os níveis da federação. Isso fica evidente novamente com o comportamento oportunista do Congresso, aproveitando-se do conflito político entre o governo central e os Estados, para tentar distribuir benesses e atender necessidades que tem pouco a ver com a crise e muito com a histórica irresponsabilidade de muitos governadores e prefeitos.
De um lado, pressionam o Congresso a aprovar ajudas mais generosas do Tesouro Nacional para cobrir rombos orçamentários e, de outro, promovem aumentos salariais para servidores, que têm estabilidade de emprego, em meio a uma grave pandemia que tem levado à suspensão de contratos de trabalho, reduções salariais de 8 milhões de trabalhadores na iniciativa privada e desemprego no mundo real. A Câmara de Deputados havia aprovado um plano de socorro de R$ 100 bilhões, sem qualquer contrapartida dos entes ajudados, mesmo diante de inconcebíveis reajustes a servidores concedidos por governadores quebrados, como o do Rio de Janeiro. O programa foi melhorado no Senado, mas não evitou que a maioria dos Estados corresse para aprovar aumentos salariais antes que o Presidente da República vetasse a flexibilização desses reajustes. Mais uma vez o socorro financeiro da União será usado para pagar salários. Ou seja, o Poder Público servindo-se do público em vez de servir a sociedade. É o rabo balançando o cachorro! O economista Marcos Mendes caracterizou bem: caronavírus.
Tão importante quanto gastar bem, é limitar esses gastos excepcionais ao efetivo combate à pandemia e pelo tempo estritamente necessário. Nesse sentido, o governo propôs e o Congresso aprovou o que foi denominado de Orçamento de Guerra, específico, delimitado, para não contaminar o Orçamento Geral nem os orçamentos futuros, para não comprometer a credibilidade fiscal do país. O secretário-executivo do Ministério da Economia, Marcelo Guaranys, contudo, alertou para prováveis pressões políticas populistas para perenizar programas criados durante a pandemia, o que pode comprometer o crescimento futuro do país. A exemplo do auxílio emergencial de R$ 600 que políticos querem transformar em programa de renda mínima. Acontece que só a primeira etapa desse auxílio consumirá perto de R$ 150 bilhões num período de três meses e será um dos principais ingredientes para fazer de 2020 o ano com o pior resultado fiscal da história, com déficit primário se aproximando de 9% do PIB.
Para Adolfo Sachsida, secretário de Política Econômica, não há como aumentar gastos públicos, mas é possível realocar recursos de programas que não são eficientes para fortalecer a rede de assistência social e discutir um novo formato para o auxílio emergencial. O Banco Mundial aponta que o Simples é um programa caro e pouco efetivo, ao contrário do Bolsa Família, que é considerado eficiente. Portanto, precisamos aumentar a qualidade do gasto e não gastar mais. Um antigo refrão continua atual: "sabendo gastar, não vai faltar". A classe política precisa entender que, depois dessa pandemia, a viúva não estará mais aí para pagar as contas. E não haverá mais almoço grátis.
O Brasil é um país rico, mas precisa parar de desperdiçar, e deve preservar conquistas importantes como o Teto dos Gastos, principal âncora fiscal no momento, e reformas recentes. E seguir na trajetória de novos avanços que já estavam na pauta antes dessa crise. Convergência política, senso de urgência e decência no trato da coisa pública podem levar ao país que nossos filhos gostariam que deixássemos para eles.
*Empresário
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