Para Jorge Reis-Sá, no Dia de Portugal
Caro Jorge, doravante meu editor. No domingo voltei de Portugal e quis o destino que tenha vindo direto para o Recife, sem fazer a tão ansiada escala em casa, lá em São Paulo, para recarregar as energias. Umas poucas horas entre os livros já me revigoram sobremodo os ânimos, não importa que precise dar mais uma volta em torno do planeta para tanto. Viajar, portanto, do Porto para o Recife, equivale ir a uma sessão dupla de cinema e passar mais horas à frente da tela do que o módulo normal. Cá estando, hoje celebrarei o Dia de Portugal no Gabinete Português de Leitura, onde desfraldarei de público, pela primeira vez, a alegria de ver nossa Carta a Portugal distribuída por todas as livrarias do país-irmão, já a partir da próxima semana.
Nesta data, gostaria que soubesse que fiquei bastante contente com a qualidade editorial imprimida ao livrinho. Sendo este meu quarto livro em Portugal, o primeiro com a Glaciar, não há como não atestar uma sensível mudança de patamar no que tange aos padrões de esmero e distribuição da obra. Se o mercado brasileiro será objeto de um acordo com uma editora local, queria que o amigo soubesse que nada descarto no escopo do que nos assiste fazer no chamado além-mar. Lendo Angalusa dia desses na imprensa lisboeta, me ocorreu que seria uma honra ter Carta a Portugal em mirandês, em que já li um Astérix, ou mesmo em crioulo, como o falado no Cabo Verde. Brincadeiras à parte, isso diz de meu entusiasmo.
Aliás, Jorge, foi o mesmo Angalusa que aludiu a outras línguas pátrias do Brasil: nheengatu, tukano, baniwa, macuxi, wapixana e o akwê serente. Todas elas se escondem no interior da lusofonia, como o quimbundo, que ainda se fala em Angola. Quanta riqueza. Nossa Carta a Portugal, para mim assinala a celebração de um caso de amor que vem de longe com nossa língua tão policrômica. O português já me proporcionou alegrias nos recantos mais inusitados. Em Maracaibo, na Venezuela, conheci imigrantes de Aveiro e namorei com uma madeirense. Em Zuhai, ao lado de Macau, ouvi um ancião de fala cantonesa contar uma linda história em língua de Camões. E ainda espero um dia ir a Timor-Leste e Goa, ademais das ilhas São Tomé e Príncipe.
Mas o que queria te dizer de fundamental neste dia mundial de nossa língua, ou Dia de Portugal, diz respeito à emoção que continua a me causar o idioma. Quando adentrar logo mais à noite o lindo Gabinete Português de Leitura, pensarei no professor Rubem Franca, que sabia de cor cada linha de "Os Lusíadas". Quando criança, há meio século, bastava que lhe déssemos as três primeiras palavras e ele se saía com a estrofe inteira. Desde então, tento passar meu recado – sob forma de literatura ou algo que o valha –, o que talvez agora esteja mais perto do que antes de fazer. Isso dito, que saibas de meu comprometimento profundo e enraizado com todas as ações que levem Carta a Portugal a cumprir um amplo périplo pela lusofonia.
E que o 10 de junho de 2020 nos surpreenda em paragens distantes dos grandes centros, talvez com mais novidades para o mercado, mas sobretudo a comunicar com um público que, sendo diverso e heterogêneo, compartilhe conosco o legado comum que mais do que nunca temos de valorizar. Viva, portanto, a língua portuguesa, com todos os seus temperos e condimentos. Ela deu cor à nossa infância, dá régua e compasso às nossas vidas adultas e, se viermos a ser lembrados um dia por algo que tenhamos legado ao mundo, será em português que ele estará lavrado. Honrá-lo em suas mais variadas formas faladas e escritas, consubstancia um credo que sem dúvida partilhamos. Que assim continue e vamos adiante.
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