Missiva a um amigo português
Salve, querido Luis,
Mas que alegria receber um sinal de vida dessa figura que já não vejo há tantas décadas. Não podes imaginar minha emoção ao deparar com teu "pedido de amizade". Quanta ironia. Logo de ti, um homem a quem me sinto ligado pelas lembranças da juventude, quando dela desfrutávamos nas ruas de Londres e Cambridge. Pois te digo: o promotor de nosso encontro deveria conceber um comando denominado "entre sem pedir licença porque és sempre bem-vindo". Pois se tal tecla existisse, tê-la-ia clicado para te acolher com o transbordamento de quem recebe um ressurreto de há muito perdido e pranteado.
Isso dito, te previno que irei te visitar em Portugal o quanto antes – depois dos calores estivais, bem entendido – e então saberei mais de ti. Da saúde, da família e de tudo o que fizeste durante esse longo intervalo. Sendo hoje o primeiro dia de nosso reencontro, te farei a concessão de calar as perguntas e responder às tuas que gravitam em torno dos rumos desse desengonçado Brasil que te deixa deveras confuso. Agradeço-te a preocupação com nossa sorte e tentarei nas próximas linhas te passar um pouco de tranquilidade, pois assim merecem saber os irmãos de afinidade e lusofonia.
O que posso te dizer desse transatlântico chamado Brasil é que ele segue seu curso, mas não está imune a riscos. Temos mais adiante, um enorme "iceberg" a contornar. Se até o dia 12 de maio era inevitável que colidíssemos de frente e em poucos dias estivéssemos afundando nas águas escuras do populismo – onde permaneceríamos por anos, como já acontece aos irmãos venezuelanos –, certo é que, apesar das calamidades recentes, Deus resolveu se mostrar brasileiro e tirou do caminho o maior equívoco político que se abateu sobre nossa história. Ao fazê-lo, de certa forma, restaurou tênue esperança.
O equívoco a que me refiro, é claro, é a ex-presidente Rousseff – a quintessência do desastre; a face nua da incompetência e o maior desvirtuamento de vocação já registrado na História contemporânea da humanidade. Talvez o mais gritante desde a entronização de Bokassa I como Imperador da República Centro-Africana. Pensas que há algum exagero na comparação? Tens razão, desconfio. Mas, se houver, é em desfavor do finado. Em favor dela, com todo o respeito, foi mero fantoche da vontade alheia. No caso, a do antecessor, meu conterrâneo de Garanhuns, o carismático Luiz Inácio, hoje um farrapo político.
Isso dito, amigo, talvez os fatos careçam de contextualização. Pois bem, ao cabo de um segundo mandato, tendo tido a sorte de navegar por águas favoráveis durante oito anos, Lula resolveu fazer o que os topetudos adoram: eleger candidatos opacos e manipuláveis – aqui ditos "postes", símbolos de inanimados e minerais. Valendo-se da alavanca do PMDB, ele, maliciosamente, a ungiu. Já quando da reeleição – quando ficou evidente que a máquina estatal estava a serviço do embuste –, eis que ela garimpou votos na coligação do partido do vice e, precariamente, chegou lá. Entrementes, afundávamos.
Tão aberrante foi a catástrofe que hoje o vice é chamado de Presidente em Exercício. Ela, de Presidente Afastada. Acreditas? De dez brasileiros, dois insistem em dizer que houve um "Putsch", como antigamente. Ou "golpe de estado", corruptela nacional para o aclamado "Coup d´état" francês, aqui reduzido ao carinhoso "golpe" – reflexo do cacoete brasileiro de se tornar íntimo das expressões consagradas. Pois te digo: se os industriosos chineses colocassem à venda camisetas adaptadas do popular "Je suis Charlie", e nelas estampassem "Je suis golpista", elas venderiam como teus pastéis de nata.
Pois, o que menos importa é o adjetivo, amigo. Importa agora a salvação do país. Para que tenhas uma ideia, o sentimento de repulsa uniu as duas casas do Legislativo; o Judiciário e a rua. Como disse, se continuássemos com a desventurada Dilma Vana no leme, seus artifícios temerários ter-nos-iam valido um xeque-mate em dois anos. Daí o estupor da Venezuela, cujo Maduro cai de podre. Agora, quem sabe, talvez nos salvemos. O que nos restou? Torcer e ajudar o novo Presidente em Exercício. Que, aliás, foi escolhido por ela. Em favor dele, cinco pontos:
a) A idade de 75 anos aliada à lucidez. Isso porque a essa altura da vida ninguém vai desencadear um ciclo de culto à personalidade, como é de regra no populismo, tampouco querer se reeleger;
b) Michel Temer tem o "statestmanship" de quem já presidiu a Câmara dos Deputados três vezes;
c) Michel Temer sabe que tem pouco tempo para mostrar serviço e se acercou de gente experiente para criar as pontes que a antecessora dinamitou;
d) Como penúltima razão, ele sabe que operar a transição por si só terá sido um grande feito e a forma efetiva de deixar sua marca na História, como sucedido a Itamar Franco – no bojo de processo menos escandaloso;
e) Por último, superadas as cautelas diplomáticas, o Brasil poderá ganhar musculatura internacional já que hoje, como sabes, somos um povo de joelhos. A única notícia boa que tivemos foram as ameaças de ruptura da citada Venezuela; Bolívia, Equador e El Salvador. A que nosso Chanceler – um azougue – já respondeu.
Isso dito, deixemos claro que nada está ganho. O melhor que poderia acontecer, aliás, seria a renúncia de Dilma Vana, o que não descarto. Ele só é difícil porque os asseclas temem perder os últimos vínculos que os ligam às benesses estatais. Quanto a mim, me empenho em apontar aos novos mandatários aqueles que, mesmo simpáticos à moribunda sigla petista, se revelaram competentes e empenhados em fazer as coisas da forma certa. Com isso, hoje como ontem, durmo com a sensação de continuar dando o melhor para este país que continuo a amar.
Esperando contar com tua presença por aqui quando der, recebe meu abraço fraterno, Luis. Da próxima vez, serei eu a te fazer peguntas. Dentro de um mês mais, verás que o Brasil terá recuperado um mínimo de cor, salvo incidentes. Mas o espectro do "iceberg" está lá. Se algum setor se furtar a ajudar, teremos grave rachadura no casco. E, então, a água invadirá os porões. O populismo foi a maior tragédia que se abateu sobre nosso continente desde a colonização. Continue, pois, a nos querer tão bem quanto nós queremos a teu país, nossa segunda Pátria.
De teu amigo de ontem e sempre,
Fernando
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