Franchement, M. Jacquin
1 – Fomos jantar no Ça Va, aqui em São Paulo. Pensamos em ir ao do Itaim, recém aberto. Mas como estávamos na parte alta dos Jardins, fomos ao da rua Carlos Comenale, a uma quadra da Paulista. Apesar da meteorologia atroz, o que uma boa mesa não resolve?
2 – Lembro do Ça Va antes da era Erick Jacquin, quando se fazia uma cozinha irregular, mas simpática. Com a morte do dono e o advento da pandemia, o chef francês comprou-o, disposto a fazer um trabalho à altura de sua reputação – perenizada depois do Masterchef.
3 – Minha amiga estava especialmente interessada no famoso aligot, que já havíamos provado com sucesso no Le Steak, do mesmo dono, na avenida Rebouças. No Ça Va, o aligot acompanha o filé au poivre (R$ 149), o que configura a grande atração da casa.
4 – Com o pedido dela resolvido, pedi o entrecôte Sauce Bernaise (R$ 125), um molho que me agrada, muito bem executado no Spot, não longe de onde estávamos. De entrada, pedimos os escargots (R$ 64), "importados da França", segundo Adrielle, que nos serviu.
5 – Pensei em tomar o espumante Perini Jacquin, mas não me animei a pagar R$ 200 por uma garrafa, se não estávamos propriamente com sede. O que dizer do jantar, Monsieur Jacquin? Que você fez cinco pontos em dez possíveis. No seu programa, estaria na repescagem.
6 – Os escargots estavam feios, bisonhamente apresentados. O calibre deles era minúsculo – parecia testículo de galo, como se come na China. Ademais, estavam macilentos e afogados num molho ferrugem espesso, nada borgonhês. Nada de alho ou manteiga.
7 – Se aqueles escargots vieram da França, eu nasci na Mongólia. Na Mantiqueira ou na Bocaína temos escargots maravilhosos – um bichinho cujo "terroir" não encerra mistérios. Duvido que o mais fiel dos clientes peça escargots pela segunda vez, um item comum na cidade.
8 – O filé au poivre de minha amiga estava bonito, o ponto veio a gosto dela, e o aligot estava untuoso e saboroso, embora um pouco pobre de queijo. Mas a sedosidade estava impecável. Já à carne, faltou "poivre", faltou "pimenta". O molho parecia caseiro, à base de vinho tinto.
9 – O entrecôte não estava ruim, embora o miolo estivesse um pouco gordo demais. O problema foi o molho bernaise, que veio quase verde de tanto alecrim e tomilho. O pior: estava ralo, fato abominado por Jacquin, quando seus pupilos derrapam nesse fundamento na televisão.
10 – "O chef-patron vem aqui de vez em quando?", perguntei. "Sim', disse Adrielle. "E dá bronca em todo mundo." Pedi de sobremesa uma coupe Colonel (R$ 38), que adoro. Ou seja, sorvete de limão siciliano nadando em vodca gelada, uma delícia refrescante na França inteira.
11 – Lá eles a serviram numa taça de sorvete. Não teria custado nada servir o dobro da vodca, uma bebida barata. Mas falta à brigada leveza, empatia e autonomia. São todos muito jovens, faz falta um regente experiente, um ouvidor de salão. E isso derruba o padrão.
12 – Engessados e defensivos, ninguém veio à mesa perguntar se estávamos gostando. Mas como eu estava hoje num dia de boa paz, indisposto para comprar boas brigas, mesmo as mais justas, deixei barato. Ah, minhas batatas sautées estavam murchas e sem sabor.
13 – A bem da verdade, estávamos pensando em ir ao Président uma noite dessas, especialmente depois da boa experiência no Le Steak. Mas depois do Ça Va, é difícil que nós voltemos a dar uma chance a Jacquin em 2024. Faltou ao lugar o toque francês prometido.
14 – Nesse caso, preferia o antigo dono e suas discretas oscilações. Tinha uma matriz brasileira, mas a execução francesa ficava além da intenção e surpreendia bem. O Ça Va de hoje faz o movimento oposto. Bonitinho, me preocupou o astral Instagram do salão. Sei não!
15 – A todos os pratos, some-se 15% de serviço, o que vem se tornando comum por aqui. Acho muito. No dia que chegar a 20%, como em Nova York, vou rever meus hábitos. Se eu desse de cara com Jacquin, eu saberia bem o que diria: "Franchement, Monsieur."
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