"E Madureira quase chorou" é imperdível
Betty Steinberg é uma notável escritora brasileira que mora nos Estados Unidos há mais de 40 anos. Judia de origem polonesa, é óbvio que a história de sua família foi marcada pelo Holocausto. Seu pai, nascido em Szydlowiec, escapou dos nazistas nas últimas janelas de partida. Aprendiz de alfaiate em Varsóvia, atravessou o Atlântico e veio se estabelecer no Rio de Janeiro. Na retomada da vida, muitas perguntas sobre os seus e a Polônia ficaram sem resposta. O tempo se encarregaria de dá-las, e, infelizmente, quase nunca eram as que ele gostaria de ouvir.
Uma delas era especialmente intrigante. Seu melhor amigo se casara com a namorada com quem ele – o novo carioca – estava comprometido. Sabê-los vivos, foi uma alegria. Significava que uma parte do passado permanecia intacta, uma espécie de repositório dos dias felizes em que os três eram irmanados pelo movimento socialista e passeavam nas florestas de bétulas. Por outro lado, embora ele próprio já tivesse casado no Rio de Janeiro, saber que ambos agora formavam uma família foi um choque. O que os esperava doravante?
A alma humana é feita de muitos labirintos. A literatura é um instrumento poderoso para percorrê-los, mas não nos dá a certeza de termos achado o filão certo. Estabelecido na França, o casal vem ao Rio de Janeiro para uma visita. A visita se prolonga. Há ternura no ar, mas há também drama e, de forma pouco aparente, ressentimento. Apesar da idade madura, eclodem sentimentos dúbios, que dão margem a ciúmes multilaterais. Em dado momento, o marido da ex-namorada resolve voltar sozinho para a França. E agora?
Muitos anos depois do sucedido, Betty conversava com a família parisiense do falecido casal. E um deles sugeriu que ela escrevesse um livro sobre esse drama, usando todos os recursos da documentação e da literatura para que a história não morresse aí. Foi assim que nasceu "E Madureira quase chorou", cujo título vem do sambinha que tomava conta do Brasil no ano do reencontro. Publicado em novembro pela editora AzuCo, de São Paulo, o livro vem merecendo elogios rasgados de quem o lê.
Isso porque nele se vê a gênese de um "shtetl" judaico no coração da Polônia do pré-guerra; a tensão crescente provocada pelo discurso de Hitler; o drama dos que tiveram que se reconstruir para continuar; os não-ditos que perpassam as famílias ao longo de anos, no esforço continuado dos pais para ocultar dos filhos as páginas difíceis do passado e apontar para o amanhã. Eis, portanto, um livro pulsante e contemporâneo. Nele, a literatura mostra a pleno porque é insubstituível na hora de retratar os escaninhos da alma de homens e mulheres nas encruzilhadas da História.
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