Diferenças culturais no Brasil
Quando escrevi Ao Redor do Mundo – uma incursão inicial ao universo das diferenças interculturais que, talvez pelo frescor de ter sido um livro feito em poucos dias, logo virou um bestseller nacional –, abri o primeiro capítulo enfocando que, apesar da relativa homogeneidade cultural brasileira, tínhamos diferenças candentes entre a média dos nordestinos e a dos sulistas, quando vistas sob algumas categorias de análise. Os primeiros eram mais espontâneos ao demonstrar afeto. Os segundos, mais reservados. O mesmo valia para a cultura de planejamento. Na Paraíba, por assim dizer, se improvisava mais do que em Santa Catarina. Traço este que também se refletia na pontualidade, cuja observância pode variar muito entre regiões remotas como a Amazônia, e cidades onde a concorrência é mais renhida, caso de São Paulo, um estuário em que dezenas de fornecedores podem disputar a preferência do mesmo cliente.
Outros aspectos pontuaram aquelas digressões de abertura. Um dos mais candentes era a questão da objetividade. Por uma decorrência do chamado "jeito de ser", as pessoas no Sul tendiam a ser mais objetivas e focadas em pautas concretas de reunião, ao passo que no Norte e Nordeste do país prevalecia a prática de fazer um caminho bem mais sinuoso. Era uma forma de permitir que um interlocutor pudesse "sentir" o outro antes de atacar o tema central. Ou seja, no primeiro caso, o trajeto era do "específico" para o "difuso". No segundo, eles preferiam fazer o movimento inverso. Pareceu-me também óbvio que ditas características culturais levassem nordestinos a ser mais particularistas, ou seja, a achar menos do que no Sul que o que vale para um tem de valer para todos. Ranços coronelistas e flagrantes desníveis socioeconômicos podiam engendrar a chamada cultura do "você sabe com que está falando?"
É evidente que elencar esse arrazoado não significa dizer que uns sejam melhores do que outros. Não há quaisquer linhas hierárquicas demarcatórias entre os diferentes povos, mesmo porque a valorização da diferença permanece o ponto nobre da questão. Por outro lado, não se pode negar que haja uma tendência a que o grande progresso civilizacional se dê em latitudes temperadas onde o regime climático mais rigoroso enseja a criação de uma poupança para que o indivíduo possa sobreviver às adversidades do inverno. É evidente que quem pode dormir ao relento 365 dias por ano, sentirá de forma menos aguda o tormento que essa condição representa. Mas para reforçar o argumento de que ninguém é melhor do que ninguém por ser como é, basta ver que Cingapura construiu uma sociedade de muito progresso mesmo estando praticamente na linha do Equador, portanto longe dos ares temperados da Europa.
Bem a propósito do tema, recebi dia desses uma mensagem no Facebook que me deu o que pensar. Eu tinha postado uma foto de um almoço com um amigo e, entre manifestações de amizade, algumas rolhas se espalhavam sobre a toalha. Pois bem, o leitor as tinha contado e chegara a um número respeitável. Nove, salvo engano. Embora este não correspondesse às garrafas que efetivamente tomáramos – pois meu amigo fizera uma brincadeira com a esposa ao somar as rolhas da mesa vizinha às nossas para a dita foto –, certo mesmo é que nossa extravagância levou o correspondente a conjecturar sobre o muito que se bebe no Nordeste, nas palavras dele. Ele ainda brincou: seria por conta da seca e da estiagem que vocês preferem vinho, cerveja ou uísque? É óbvio que a explicação pode ser divertida, mas o fato nu e cru é que nordestinos em geral louvam sobremodo quem é bom de copo, mesmo que resvale para o excesso.
Nesse sentido, nada mais emblemático do que minha surpresa ao chegar a São Paulo, nos idos dos anos 1980. Embora plenamente livres para agir como bem quisessem, não era incomum que jovens paulistanos preterissem uma boa cerveja em favor de um suco de frutas ou um milk shake. Aquilo me causava profunda estranheza. Homens jovens deveriam tomar cerveja. Era mais sociável e permitia melhor integração entre as partes. Um ponto também que marcava uma inflexão era o papel do "falar bem", importante no Nordeste, e relegado a certo desprestígio no Sul, onde tal atributo virava rapidamente "falar difícil". Pudera. Descendentes de japoneses, árabes e italianos, cada um com cacoetes de linguagem derivados da língua de origem, o melting pot paulistano não era a arena mais propícia para ouvirmos a língua mãe falada com a correção com que faziam os maranhenses. Muito menos com os arroubos de oratória a que são sensíveis nossos irmãos da Bahia.
Acima de tudo, o que mais me desconcertou naqueles anos tão felizes, foi constatar que uma certa formalidade ditava que as pessoas deveriam prevenir as outras quando lhes pretendiam fazer uma visita social. Ora, para mim era todo o contrário. Pois a graça a que eu me acostumara na infância, era justamente a de ver a expressão de espanto e surpresa dos visitados ao deparar a família que ali parara porque estava passando pela porta e lhe ocorrera descer para um dedo de prosa. Ignorando esse preceito básico da boa norma, era normal que eu tocasse em campainhas – mesmo via interfone – e me apresentasse a amigos atônitos. A expressão de espanto das pessoas para mim era apenas um bom sinal. "Não estava contando comigo, não é?" – e assim entrava casa adentro. Até que um dia, alguém me segredou: "Foi ótimo, mas da próxima vez avisa, certo?"
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