Ágatha ou um país enfermo
Eu não sei o que tem me levado a essa atitude – talvez uma mistura de falta de tempo e autopreservação –, mas a verdade é que passei a ler certas notícias na diagonal, sem descer aos detalhes que lhes conferem sordidez e tristeza. Foi o caso do assassinato da menina Ágatha Félix, 8 anos, do Rio de Janeiro.
Se o fato tão brutal se insere na espiral de violência que bem conhecemos, agora agravada por um discurso que parece defender uma espécie de vale-tudo midiático, alguns episódios correlatos só salgam a ferida, tornando qualquer tentativa de debate e cura um exercício onde espoucam ódios e maus sentimentos.
Pois bem, o ator Fábio Assunção compareceu ao enterro da menininha. Sob quaisquer aspectos, é um ato corajoso e digno. Até por saber que muitos o recriminariam por seu passado (se é que há só passado nisso) de dependente químico de drogas. Ora, o narcotráfico está na raiz da morte de Ágatha. Logo, ele também.
Dando a "cara a bater", como fez questão de dizer, fiquei perplexo com a quantidade de insultos que lhe foram dirigidos em redes sociais, repisando os fatos conhecidos, e acusando-o de prestar um desserviço às políticas de repressão ao crime organizado do Executivo – tanto estadual quanto federal, agora elevadas a dogma.
Ou seja, não se consegue mais isolar um ato de grandeza e solidariedade humana de um contexto político maniqueísta, que teima em dividir a sociedade entre mocinhos e bandidos – pouco importando que estes se revezem nos papéis para além da matriz histórica que sempre os irmanou e confundiu no Rio e no Brasil.
Bravo para Fábio Assunção, o que quer que se diga. Por outro lado, não gostei da nota de Kléber Mendonça, o cineasta de "Bacurau". Como a tentação de fazer teses a quente não é primazia da direita, lá veio ele apontar a frase do avô "ela fazia inglês e balé" como indício de colonização cultural, fazendo sociologia de botequim.
O que ele quer dizer lá no fundo, é que tudo poderia ser muito diferente se Ágatha fizesse capoeira e estudasse Iorubá. Ora, apontado momentaneamente como o arauto da resistência num país que ele divide entre aproveitadores e desvalidos, ele sim parece pegar carona num inocente desabafo de dor, cuja intenção é gritante.
Em suma, talvez ninguém esteja totalmente certo ou errado ao apontar as dissonâncias que permeiam nosso cenário de inaudita crueldade. A verdade é que o butim eleitoral continua polpudo e a disputa pelo poder despreza tudo o que não crie impacto aos olhos do eleitorado. A regra é ocupar o noticiário e chocar.
Todos estão conseguindo e os perplexos estão acuados.
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