O incrível Rui Chapéu
Ele tinha a cara das noites frias dos anos 1980, em São Paulo. Em programas sem fim da TV Bandeirantes, Rui, o baiano de Itabuna, aparecia de casquete branca e encaçapava uma bola atrás da outra na mesa de sinuca, emprestando um ar de arte a um esporte que era tido no Brasil como o refúgio da malandragem, quando não da delinquência. Desde minha infância em Garanhuns, lembro do significado ultrajante e desolador de se atribuir a alguém a sina de jogador de salão de sinuca. Isso queria dizer que o jovem tinha queimado todos os cartuchos da decência, e que doravante só lhe restavam o opróbrio e a marginalidade. Era o equivalente masculino a dizer que uma determinada mulher tinha ido parar na "rua Sua Francisco", local onde funcionava o baixo meretrício.
Das viagens à Europa, eu ouvira dizer que o esporte de salão não gozava de fama tão rasa. Pelo contrário, comentava-se que havia campeonatos que pagavam fortunas a seus astros, e que o jogo acontecia em salões refrigerados e assépticos, onde os contendores vestiam gravata e colete, não bebiam álcool nem fumavam. Como podia? Não tardei a constatar que era a mais pura verdade. Mas foi só quando Rui Chapéu apareceu no cenário que ficou evidente que galgáramos um passo adiante. Esporte de boteco no Brasil, acessível às camadas mais pobres da população, de repente craques do futebol consagrados como Rivelino, louvavam a performance de nosso virtuose. Noite após noite, sem perder os ares populares, Rui apontava para a formação de uma nova aristocracia no ramo.
Dentro do novo figurino, eu gostava tanto das partidas televisionadas quanto das entrevistas e das aulas práticas que nos dava Rui – falecido semana passada, aos 79 anos. Dono de uma didática tão despojada e límpida quanto o esporte que abraçou, ele discorria com proficiência sobre a importância de saber se defender; o papel vital da bola branca, na qual se imprimia o efeito desejado; o cuidado com os tacos e a forma correta de aplicar-lhes o giz; a posição do braço esquerdo para os destros e a do direito para os canhotos; a boa higiene física para evitar tremedeiras e "espirros" à última hora, e a prática de esportes que ajudassem a prevenir estiramentos e contraturas que se refletissem no pano verde. Pensando bem, Rui Chapéu foi um lorde. Elegante e cirúrgico, foi um mestre que merece nossa saudade.
Obrigado, Rui.
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