Pânico no avião

As portas do avião tinham sido fechadas há pouco mais de um minuto quando um homem alto desafivelou o cinto, ficou de pé no fundo da cabine e bradou em desespero: "Não quero mais ir, preciso desembarcar, não estou bem". Foi um alvoroço. Como o piloto...
Pânico no avião

As portas do avião tinham sido fechadas há pouco mais de um minuto quando um homem alto desafivelou o cinto, ficou de pé no fundo da cabine e bradou em desespero: "Não quero mais ir, preciso desembarcar, não estou bem". Foi um alvoroço. Como o piloto já iniciara o "pull back" só restou à tripulação tranquilizá-lo para que recobrasse um mínimo de calma e serenidade. Então, pacificado pelos bons efeitos de um Rivotril, ele voltou a seu lugar, riu um pouco da própria desdita e, até o fim do voo, foi alvo da atenção até bastante carinhosa dos tripulantes. Uma portuguesa ainda lhe disse: "Até nós que trabalhamos no ramo estamos sujeitos a isso, caro senhor. Cá temos nós também nossos remedinhos para certas horas, pode crer. É normal". 

Nem sempre as coisas foram tão simples. Em 1982, tinha eu meus 24 anos e a vida adulta começara de forma pouco trivial. Alguns dos planos ficaram de pernas para o ar e outros tantos, até muito mais desafiadores, me obrigavam a uma constante reinvenção de mim mesmo. É claro que isso suscitou uma reviravolta emocional interna que uma hora ou outra tentaria achar uma forma de aflorar. Aviões se prestam de maravilha para isso. Ora, estava a bordo de um aparelho da Avianca, na cabeceira do aeroporto de Bogotá, quando senti o ar curto. Sentado junto à janela, dois indivíduos que mais pareciam ter saído de telas de Botero eram meus vizinhos de infortúnio. De um pulo, agi como o senhor que acabara de ter a reação de pânico, tida com estapafúrdia pela maioria. 

Em meu caso, troquei de lugar com o cidadão do corredor, tomei um ansiolítico que me deram e aguentei bem o tranco até Medellín, bastante preocupado com a possibilidade de que tivesse aquela terrível sensação de morte súbita quando estivesse sozinho no quarto do hotel. Ao longo da vida, voltei a senti-la por mais umas três vezes, e em todos os casos consegui segurá-la à base de um exercício respiratório e meio Lexotan. Se hoje, contudo, todo mundo sabe o que é Síndrome do Pânico, há quase 40 anos isso parece que não era lá tão evidente para a maioria dos médicos. Tivesse eu tido a chance de falar com o homenzarrão que deu seu grito de alerta antes que a angústia o devorasse por dentro, eu lhe teria sugerido buscar ajuda especializada, talvez terapêutica. No final, tudo dá certo. 

Ainda lembro da última vez que passei por situação similar. O recepcionista de um pequeno hotel parisiense me propôs pegar a van de um chinês que levava passageiros para o aeroporto a 15 euros por cabeça. Quando o carro chegou, estava apinhado e sentei lá atrás, no último lugar, sem acesso às portas corrediças. De terno e gravata, comecei a imaginar um acidente. Logo vi as manchetes: "Van clandestina se espatifa em Porte de Clingnancourt. Brasileiro corpulento ficou preso nas ferragens por 3 horas até ser retirado sem vida". Pronto. Foi o que bastou para eu pedir que o chinês parasse. Os demais passageiros também se assustaram com a cena de meu alarme poliglota e ansioso. Depois foi passando. Coisas de quem está na chuva, ossos do ofício perigoso que é viver. 

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Quarta, 11 Dezembro 2024

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