Ricardo Brennand, um homem solar

Ele teve nome de rei, educação de príncipe, virtude de filantropo, visão de mecenas e coração de leão
Homem do chão de Pernambuco, como Joaquim Nabuco ou Gilberto Freyre, mostrou, pela força do exemplo, o valor inestimável que tem para o mundo uma elite conectada com os valores fundadores de sua cultura

De Paris (França)

Embora possa parecer o contrário, não sou de me estender em louvações aos grandes nomes, àqueles que já conseguiram construir um cartel respeitável de realizações. Primeiro porque sendo eles pessoas proeminentes, muita gente que os conheceu mais e melhor do que eu, poderá dar um testemunho abalizado, baseado em fatos concretos. Depois porque é sempre bom ficar a salvo dos que dizem que estamos escrevendo um panegírico porque, para os brasileiros, todo mundo que morre vira lenda. Mas tem horas que temos de ignorar essas cautelas e mesmo que haja dezenas de penas qualificadas para inventariar os feitos da personalidade, precisamos fazer nossa parte, mesmo porque é uma forma de elaborar o luto, de colocar nossas pequenas vidas em perspectiva e, em alguns casos, de debruçarmo-nos sobre alguns capítulos da História.

Isso dito, saibam todos os que ainda não tomaram conhecimento do fato, tantas são as premências a que nos força essa maldita pandemia, que semana passada faleceu no Recife um homem chamado Ricardo Brennand. Tive infância muito curta e uma adolescência permeada por viagens que, de alguma forma, me subtraíram do planeta Pernambuco. Ainda assim, pela boca de papai, eu sabia que no bairro da Várzea, lá no Recife, quando o litoral perde força e predomina a Mata Atlântica fechada, moravam alguns membros de uma família muito especial. A despeito de ser muitos discretos, eram industriais e industriosos. Fechados em seu mundo, um era um grande ceramista e artista plástico. Outros eram empresários de envergadura nacional, com origens ligadas ao açúcar, DNA de algumas das dinastias do estado.

Já tinha eu uns 20 anos quando um dia conheci na casa do então senador Nilo Coelho, aquele que era o maior expoente da ala empresarial da família Brennand. Era Dr. Ricardo, cunhado do ex-governador, que me brindou com uma atenção de todo imerecida, mas que jamais esqueci. Perguntou sobre alguns de meus familiares que militaram na vida pública e, com a força de um carisma que só os grandes sabem ter, falou comigo como se tudo o que eu dissesse fosse importante, o que não o eximia de ser brincalhão e irreverente. "Como é que você é tão alto se seu tio avô era tão baixinho, a ponto de ser chamado na política de fresquinho de veneno?" Sorrimos. "Na língua posso até ter alguma coisa dele. Mas na estatura, puxei a meu avô materno, que era bem alto." Daí em diante, sempre nos tratamos com carinho.

Nos últimos 40 anos, nos vimos algumas vezes, e nem sempre em solenidades. Lembro das vezes em que, tendo já vendido suas empresas - cimento, aço, vidro, cerâmica -, e tendo já partido para outras frentes empresariais na área da energia, quis o destino que nos encontrássemos no shopping Iguatemi, em São Paulo, onde almoçamos alegremente a dois. No centro de seu imenso universo afetivo, lá estava o Instituto Ricardo Brennand, naquele mítico bairro da Várzea, onde estive algumas vezes, inclusive com convidados estrangeiros que, maravilhados, exaltaram o acervo em exposição, parte dele de valor inestimável, e as ações de benemerência em que milhares de crianças ali tinham uma espécie de experiência iniciática no mundo das artes. Não era raro que o víssemos por ali em animada inspeção.

Quis a Covid-19 abater Dr. Ricardo no vigor de seus 92 anos muito bem vividos. Longe de deplorarmos o homem que estava no inverno da vida, prateamos o dínamo que mantinha a mesma energia emocional dos tempos em que era o primeiro a chegar a suas fábricas e o último a sair. Vigor este que consagrou ao Instituto do Fígado, dedicado à hepatologia, e à criação da imensa e amorosa família que gravitou em torno de sua figura solar. Homem do chão de Pernambuco, como Joaquim Nabuco ou Gilberto Freyre, mostrou, pela força do exemplo, o valor inestimável que tem para o mundo uma elite conectada com os valores fundadores de sua cultura. Já disse: Ricardo Brennand teve nome de rei, educação de príncipe, virtude de filantropo, visão de mecenas e coração de leão. Sua vida honrou Pernambuco, o Brasil e os que o conheceram.

Que saibamos respeitar-lhe o legado e a memória. 

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Sexta, 13 Dezembro 2024

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