Sem reconhecer erros será impossível corrigir a rota
O debate nos países emergentes tem sido marcado por duas discussões principais: a necessidade de aprimorar marcos institucionais para que se sofra menor contágio das flutuações da economia mundial somada ao imperativo de reavaliar a política econômica tendo em vista o menor crescimento global e o comportamento dos preços de commodities. O Brasil está fora desse debate, não só pelo fato de enfrentar seus próprios desafios, mas também porque prefere o isolamento, insistindo, de forma criativa, em atalhos que só agravam o quadro.
Passada a bonança produzida pelo boom de commodities da década passada, que em boa medida foi tratado como benção permanente e não transitória, a lição aprendida pelos países emergentes é que as nações precisam de aprimoramento institucional e mecanismos que tornem a política econômica menos subordinada aos ciclos mundiais, como o fundo de estabilização do Chile e da Noruega. A suavização desse ciclo significa evitar a euforia na fase alta e, assim, diminuir o sacrifício na baixa, garantindo maior bem-estar social ao longo do tempo e a proteção dos mais pobres. Essa é uma recomendação de livro-texto de economia. Desse modo, os emergentes buscam a maioridade na gestão da política econômica.
O segundo ponto do debate entre emergentes é que o atual ciclo econômico mundial, com preços mais baixos de commodities e menor crescimento do comércio mundial, impõe ajustes da política econômica. A depreciação de suas moedas pode induzir a diversificação da estrutura produtiva. Os ventos mudaram e o bom navegador deve ajustar sua embarcação. O que se discute são políticas estruturais para melhorar a política pública e remover entraves ao crescimento e a abertura da economia, em um ambiente macroeconômico estável. Não há mistério aqui.
O Brasil, apesar de menos dependente das commodities, sofre de forma mais acentuada a reversão do ciclo mundial, em função da irresponsabilidade fiscal dos últimos anos, que acentua o ciclo econômico em vez de suavizá-lo. Isolado no debate mundial, o país se tornou o exemplo a não ser seguido. Os temas aqui são outros. Estamos de novo a quebrar a cabeça com problemas do passado, como inflação alta e desequilíbrio fiscal, enquanto a agenda deveria ser de reformas. Enfim, várias más notícias. Não avançamos e temos uma longa e difícil agenda para consertar a macroeconomia. E nem isso estamos conseguindo.
O Brasil já deveria ter aprendido a lição, pois já passou por ciclo semelhante. Os excessos entre o final da década de 1960 e meados da década de 1970, período de boom mundial, foram seguidos pela relutância em fazer os ajustes necessários, por conta da crise do petróleo e pela adoção de políticas mais expansionistas e intervencionistas. A crise da dívida no início da década de 1980 deu um basta à experiência nacional desenvolvimentista. Plantamos desequilíbrio fiscal e intervencionismo estatal e colhemos a década perdida.
O quadro político dificulta o ajuste, pois obstrui os canais de diálogo e os acordos em torno de uma agenda mínima de reformas. E o governo, que insiste que a crise mundial é a grande responsável pelo quadro recessivo no país, agora atribui também à crise política a paralisia do país. Porém, a origem da crise é fiscal. Enquanto muitos emergentes assumem seus deslizes e procuram corrigir rumos, aqui a tradição tem sido de colocar a culpa no outro.
Sem reconhecer erros e sem diagnósticos corretos será impossível fazer correção de rota. Mesmo quando se reconhece erros, se faz de forma equivocada. Segundo o ministro da Casa Civil, Jacques Wagner, “a dose [de ajuste fiscal] que o Levy aplicou, no lugar de ser remédio, virou veneno”, enquanto uma leitura mais lúcida seria que o remédio foi insuficiente. Ou seja, o tratamento pela metade não cura e enfraquece o doente. Além disso, Wagner afirma que “[o governo deve buscar] um ponto de equilíbrio entre uma rota de crescimento e a manutenção da responsabilidade fiscal”, como se fossem excludentes. Não há compreensão que a raiz da crise é fiscal.
Enquanto isso, o PT prega políticas de viés populista que não enfrentam a crise fiscal. Grupos de interesse privados pressionam por benefícios e privilégios, mesmo com a renúncia tributária já em 5% do PIB, e diversos governadores pedem socorro ao governo federal – o que é injusto com aqueles que buscaram se ajustar e incentiva a irresponsabilidade fiscal. O DNA do governo é expansionista. Não valoriza devidamente a disciplina fiscal e acredita que estímulo fiscal traz sempre crescimento, contrariando a experiência mundial. O governo persegue a ideia de crescimento “a qualquer custo” e se esquece que o custo pode se tornar elevado a ponto de a política se tornar contraproducente.
Insistimos em erros do passado e não aprendemos com experiências bem sucedidas no mundo. Vivemos em um país isolado do debate mundial, sem agenda econômica de longo prazo e que administra de forma desastrada o curto prazo. A crise em 2016 está, infelizmente, contratada. E tende a ser maior que a de 2015. Que essa situação pelo menos force mudanças. Que neste ano que se inicia possamos aprender com os nossos erros e que nossa criatividade seja direcionada para uma agenda consistente que permita a superação das dificuldades e a retomada de uma trajetória sustentável de crescimento.
*Zeina Latif é economista-chefe da XP Investimentos.
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