Se o corona me pegar

Consolo-me pensando que esse tipo de morte não combina lá muito comigo

Não sei se tenho grande chance de sobreviver ao coronavírus. Dizem que é uma doença que mata velhinhos. Acho, contudo, que como sou um idoso recente, de 61 anos, talvez consiga driblar a morte. Por outro lado, sou asmático e gordinho. Nunca tive uma dessas crises de falta de ar, mas desenvolvi-a porque tomei betabloqueador para a pressão durante anos. Aqui, portanto, ponto para a maldita, e desvantagem para mim. Dizem que as UTIs do mundo todo não bastarão, e que a ventilação mecânica tem de começar no primeiro dia, e pode durar duas semanas. É aí que acho que morro. Nunca fui a uma UTI. Pode-se ler lá dentro, pelo menos? Pelo meu cronograma de trabalhos, tudo correndo bem, só chego ao Brasil no dia 25. Daqui até lá, é capaz de já terem bloqueado o acesso de voos da Europa ao país. Nem que seja para imitar Trump. Para um não-europeu como eu, que ainda transitará pela Turquia, vou para a indigência direto. Só com sorte saio incólume. Mas prefiro isso a pagar as multas aéreas extorsivas. É princípio e estes eu nunca negociei. Não será á hora derradeira. .

Por outro lado, consolo-me pensando que esse tipo de morte não combina lá muito comigo. Do que Fernando morreu? De corona! É muito banal. Francamente, é quase aviltante. Para quem já sonhou em morrer heroicamente, trocando tiros nas barricadas, morrer desse vírus é pouco condizente com uma vida de charme e irreverência, de esbórnia e grandes palcos. Corona? Parece mais um choque sob a ducha Corona, ou então um porre da cerveja da marca – que, aliás, tem gosto de urina e, de tão ruim, bebe-se com limão. No mais, vivenciar o que se passa na Europa hoje integra minha missão e dá vazão a meu lado repórter – a verdadeira vocação em que nunca apostei. Se morrer, saibam que tinha uns planos. Lançaria um livro em abril deste ano, que já está na editora, pronto para rodar, e outro em 2021 – este um grande romance –, a que eu gostaria de ver associado meu nome depois que morresse decentemente, e não de gripe. No mais, tinha umas contas a acertar com o destino, mas posso deixá-las de lado. Para dois biltres, minha morte terá sido boa nova. Se vivo, eles não me escapariam.

No mais, saibam todos que gostei da vida que tive. Nunca poupei dinheiro para comprar badulaques e sempre tive horror ao império das coisas. Gostei de Garanhuns, curti o Recife, percorri várias vezes a Terra, namorei mulheres lindas, que me deram muito mais do que merecia. Foi a elas que me dediquei, ao trabalho de estrategista internacional, de que fui um apóstolo abnegado, e aos prazeres imateriais. Queria ter ficado por aqui mais uns 30 anos, mas não depende só de mim. No enterro, se houver, nada de lágrimas, só cerveja. Hoje à noite, vou amarrar um porre em Budapeste, cidade que amo. 

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Quinta, 12 Dezembro 2024

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