Despertar matinal aos 60 anos
Meus amigos são testemunha de que tenho tentado fugir do tom pesado e às vezes negativo que é o meu, quando falo das agruras da meia-idade. Muita gente já disse que me ler podia ser um exercício deprimente: "Se você pinta um quadro tão sombrio com respeito aos 60 anos, o que eu devo dizer do meu que tenho 80 e quero viver mais 10 ou 20?" Faz sim todo sentido.
Ora, se há uma coisa a que um modesto cronista não pode se permitir, é justamente afugentar seus poucos leitores arduamente conquistados. Persistir em certos temas seria, portanto, cavar um fosso profundo entre mim e um público de amigos junto a quem sinto que tenho alguma responsabilidade, por pouca que seja. Mas hoje não posso deixar de falar dos ritos do despertar.
Fato é que entendo cada vez mais porque muita gente faz suas orações pela manhã. Depois de seis ou oito horas espichado na cama, acordar bem e inteiro é fato pouco banal e digno de celebração. As mãos e os pés normalmente se ressentem das atividades da véspera e acusam uma leve dormência, quando não dores nas juntas, que recuam diante dos movimentos.
Levantar da cama, contudo, é um primeiro passo excruciante. Para quem está sempre dormindo em colchões diferentes, convém atentar para as armadilhas que eles nos preparam já na véspera, quando a musculatura está aquecida, e nos permite simular a melhor maneira de levantar. As dores nas costas podem ser agudas e levam mais de cinco minutos para ceder.
Depois vem a verificação do espelho. Está tudo no lugar? O que explica os olhos vermelhos? O que faz aqui na boca um minúsculo pedaço de dente? Seria o tal bruxismo de que falou o dentista? E estes cabelos arrepiados, não parecem os de um fantasma? Será que continuo vivo ou isso aqui é um espectro de alguém que não sobreviveu à noite?
Então, antes mesmo de fazer a barba, é bom ir à caixinha de remédios e tomar o Benicar de 20 miligramas para a pressão. Será só embaixo da água do chuveiro que sobrevirá a sensação de que está devidamente superado o primeiro desafio do dia. E que sim, a dádiva da vida está outorgada por mais 24 horas, ao que tudo indica. Então a ordem passa a ser acelerar e viver com intensidade.
Até que o despertar do dia seguinte nos passe nova fatura. De preferência, sem juros de mora nem multas.
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