“A guerra entre portos é dedo no olho o tempo todo”
Às portas de 2021, o governo gaúcho decretou medidas tributárias para auxiliar na competitividade – uma delas foi o estímulo da compra de produtos para comercialização por meio de aeroportos, pontos de fronteira alfandegados e portos. O Projeto de Lei (PL) 246/2020, aprovado no dia 22/12, também estabelece que empresas que utilizem outros benefícios fiscais oferecidos pelo Estado priorizem a importação pelo Rio Grande do Sul, ampliando a utilização da infraestrutura aeroportuária e evitando a concorrência desleal de determinados importados com a indústria gaúcha.
As definições são benéficas ao Tecon Rio Grande, que atende às principais linhas marítimas que conectam o Brasil a importantes mercados internacionais. O diretor-presidente do terminal, Paulo Bertinetti, celebra as medidas. "Precisamos estar nas mesmas condições dos outros portos, caso contrário, não nos desenvolvemos", alerta. A iniciativa, segundo ele, também freou a migração de empresas gaúchas para Santa Catarina e para o Paraná. "Estamos agarrados nos cabelos delas, tentando trazê-las de volta. Empresas fornecedoras da John Deere, GM, Tramontina, não podem ir embora. Por isso foi um avanço muito grande para o estado", avalia.
"O custo portuário em Rio Grande é muito mais baixo para o armador do que em qualquer outro lugar. Brigamos para oferecer todos os serviços do mundo no mercado gaúcho e temos conseguido isso pela condição e investimentos feitos até agora", revela. O decreto aumenta esse potencial, e uma das mais recentes responsabilidades do Tecon vem sendo justamente divulgar sua assinatura e as condições em que a indústria pode se utilizar dele. O diretor-presidente defende que é preciso olhar com mais carinho para o desenvolvimento dos distritos industriais, principalmente o de Rio Grande. "Temos uma qualidade de profissionais muito grande, um polo industrial na Serra que é invejável. O Tecon já tem condições para receber grandes navios. Eu diria que a porta do desenvolvimento está aberta, só é preciso ter coragem de entrar nessa sala", compara.
Afinal, são 2354 hectares disponíveis para trazer indústrias de fora ao RS, com vantagens que aumentam junto à isonomia com outros estados. Segundo Bertinetti, o decreto ajudou nesse ponto, sendo um passo importante para colocar o Rio Grande do Sul no mesmo patamar fiscal dos outros estados do Sul. "A guerra [com outros portos] é puxão de cabelo, dedo no olho e mordidas o tempo todo. Por muitos anos, tivemos o [patamar fiscal] de Santa Catarina bem planejado e com uma estratégia muito forte para se transformar em uma referência logística das importações brasileiras", relembra. Esse cenário gerou muitas discussões e processos de estados contra o governo catarinense, que, enquanto isso, seguiu tendo seu desenvolvimento potencializado. "Quando houve a discussão de outros estados com o Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), que gerou inclusive quase um tabelamento do imposto ou limite mínimo a ser cobrado, eles estenderam isso para as trades", explica. A partir daí, as trades que haviam se estabelecido em Santa Catarina, principalmente da China, passaram a querer se espalhar para o resto do Brasil, o que levou o estado a ter, também, um bom desenvolvimento portuário. "Os serviços que vinham da China tinham que escalar lá, pois vinham com contêineres cheios. Somando isso ao desenvolvimento da exportação de frango de Santa Catarina, o estado se tornou um dos maiores concorrentes que temos hoje. Com a assinatura desse novo decreto, eles criaram a possibilidade da isonomia fiscal entre regiões", detalha.
Ele lamenta o que define como a perda da indústria automobilística no Rio Grande do Sul, com a saída da Ford e, consequentemente, da imagem que o estado tinha no mercado. "A partir daí, ninguém mais se estabeleceu em solo gaúcho. O nosso PIB está suportado no agronegócio, soja, madeira, arroz, fumo. E o estado que está baseado no comércio exterior com venda de commodities não domina o mercado, pois somos obrigados a cumprir os valores que ele oferece", lamenta. Para Bertinetti enxugar a máquina pública e alavancar a indústria é a única maneira de fazer com que a economia gire internamente – caso contrário, resta comprar de fora. "Um grande exemplo é o café. Veja o quanto exportamos e importamos por ano. Se o George Clooney fala bem da Nespresso, eu gasto quase R$ 1 mil por mês em Nespresso, porque se torna algo automático. Mas o Nespresso poderia estar sendo feito aqui", defende.
Enquanto o resultado dos decretos não dá sinais mais concretos, o terminal começa a fazer planos mais positivos para o futuro, com a expectativa de voltar a ser moderno e equilibrar-se com outros na competição pelo comércio exterior. "O gaúcho só pensa em agronegócio, mas nossa indústria é muito forte. Eu diria que as medidas tributárias vão nos colocar, daqui a um tempo, em boas posições", prevê. A conjuntura estabelecida pela pandemia trouxe novos desafios. Com os cancelamentos de armadores, o frete acabou ficando muito mais caro do que o normal. A desvalorização da moeda também torna as ações mais fracas, fazendo com que os investimentos se tornem mais difíceis e a insegurança jurídica tranque novos aportes.
Apesar disso, 2020 foi o ano em que um inimigo invisível ensinou muito ao Tecon Rio Grande: as ações emergenciais para adequar o terminal em tamanho de quadro e utilização de equipamentos em função de queda de volume tornaram possível a sobrevivência e a continuidade dos trabalhos. Os investimentos de automação, aquisições, treinamentos e tudo que Bertinetti havia planejado precisaram ser adequados, mas não deixaram de ser feitos. "A gente passou um ano difícil, aprendemos e com isso vamos crescer. Estamos agarrados no mercado, o decreto está aí e não estava em 2020, sinal de que vamos fazer algo melhor em 2021", torce. Uma das apostas para o ano atual é buscar cargas uruguaias, já que o terminal de Rio Grande possui condições melhores para a exportação, apostando na chegada dos grandes navios. "Não vai ser uma Brastemp, mas uma Enxuta para seguir lavando os pratos", brinca, com a serenidade de quem não aceitará ser deixado para trás.
Novo recorde em cabotagem de leite em pó
No primeiro semestre de 2021, o terminal registrou outra conquista: a maior movimentação de leite em pó para outros estados em sua história. O terminal de contêineres alcançou 542 TEU (unidade equivalente a um contêiner de 20 pés) movimentados. Por meio de cabotagem [transporte marítimo dentro da costa do próprio país], os destinos da mercadoria foram Pernambuco, Bahia e Amazonas através dos portos de Suape, Salvador e Manaus, respectivamente. O crescimento foi de 129,6% no semestre em volumes totais, com acréscimo de 306 TEU na comparação ao mesmo período de 2020. A produção leiteira do Rio Grande do Sul, cada vez mais especializada e moderna, destaca-se nacionalmente pelas condições climáticas favoráveis, qualidade genética do rebanho, possibilidade do cultivo forrageiro de inverno e verão de excelente qualidade, além da mão de obra familiar.
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