Um homem chamado Elias Finkelstein
Não me lembro de quando foi a última vez que escrevi sobre pessoas do mundo corporativo que conheci ao longo de meus quase 60 anos de vida, 38 deles profissionalmente ativos. Hoje, contudo, gostaria de pedir a devida vênia à família para pincelar brevemente neste espaço a lembrança que me ficou de um homem excepcionalmente doce, não obstante a trajetória de sucesso que granjeou ao longo de um percurso profícuo. Pois tendo sabido de seu falecimento em São Paulo na quarta-feira, ao final dessa minha temporada europeia, passei o dia às voltas com reminiscências que datam dos anos 1980 quando, por injunções da vida, frequentei bastante seu apartamento da alameda Ministro Rocha Azevedo, mormente em função da amizade que me ligava a suas filhas, Silvia e Mônica.
Nesse contexto, sempre recebido com extrema cortesia por ele e D. Yara, nem preciso ressaltar o quanto pessoas jovens se sentem prestigiadas quando são alvo de um tratamento que as faz com que se sintam o centro do mundo. Pois bem, com toda placidez de que é capaz um homem maduro e experiente, era assim que Elias Finkelstein me recebia. Naqueles anos em que ingressara no Grupo Votorantim – de que me tornaria diretor ainda aos 29 anos –, encontrei nele um interlocutor sempre muito atento aos rumos que pretendia dar à minha carreira, à forma como encarava aquele mundo de ebulições que vivíamos e, vez por outra, era ele quem me contava com a discrição que lhe era própria como enxergava os cenários e a que desafios se confrontavam suas atividades, sendo delas o carro chefe a empresa Rohr.
Não se cingiram a São Paulo nossas conversas. Lembro que ele tinha uma predileção especial pelo sítio de Boituva onde nos encontramos outras tantas vezes e onde esbanjava um vigor físico que já então me faltava em animadas partidas de tênis. Com fala mansa e sorriso fácil, era impossível não perceber que estávamos diante de um homem extremamente devotado à família a que prodigalizava o melhor de seu infinito afeto e atenção. O que pode parecer óbvio para muitos, confesso que para mim não era. Equilibrar as ansiedades naturais da juventude e dar a ela o espaço devido para que desabroche e para que ganhe seus rumos, requer além de muito amor, uma enraizada noção de respeito ao ser humano que, sendo eu de plagas mais truculentas do Nordeste, talvez não estivesse de todo acostumado.
Há 31 anos, vimos em sua casa a derrota da Seleção Brasileira para a França na Copa do México e, depois disso, nosso convívio conheceu um intervalo que só seria quebrado mais adiante, talvez 15 anos depois. No essencial, nada mudara. Ele continuava o mesmo ouvinte paciente e centrado, muito embora pudesse estar levemente pesaroso com uma enfermidade que pouco a pouco o impedia de permanecer à frente de seus negócios como gostaria. Se para tanto podia contar com o apoio incondicional da família – as filhas se prepararam com esmero especial para essa quadra de transição –, certamente que lhe doía não poder acompanhar mais de perto as profundas transformações que se operavam na organização, no Brasil e no mundo, de que era um espectador viajado e atento.
Embora não o tenha visto nesses últimos 10 anos, dificilmente transcorria uma semana sem que eu tivesse um pensamento para ele. Se passava pelas imediações da rua Bahia, em Higienópolis, era por muito pouco que não interfonava e pedia para lhe fazer uma visita e lhe apertar a mão. Mas é claro que há limites de privacidade para tamanha sociabilidade. Certo é que agora a dúvida se dissipou e soube que Elias Finkelstein nos deixou. À distância, queria dizer à família que dele guardarei sempre a lembrança de um homem imune a egolatrias, vaidades ocas, exibicionismos e arrogância. Era o contrário de tudo isso, um "Mensch" na melhor acepção judaica do termo e que me fez sentir, ainda quando jovem, tão importante quanto jamais me tornaria na maturidade.
Os que ficam haverão de saber zelar pelo seu legado e memória.
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