Réquiem para Gilberto Dimenstein
De Paris, França
De repente, o dia se desequilibrou. Você sente quando isso vai acontecer. Pessoalmente, tenho terrível desconfiança dos belos dias de primavera, mesmo quando é outono no Brasil. Quando morreu Zé Wilker – um cearense que surgiu para a arte no Recife –, fazia um lindo dia em São Paulo. Ao toque do telefone, eu sabia que alguma coisa me atingiria de cheio. Hoje foi igual. Reinava uma sexta-feira linda demais para que alguém não morresse. E lá se foi um grande jornalista, filho de pai pernambucano, e apenas dois anos mais velho do que eu. Lembro quando confraternizamos uma vez longamente, na Vila Madalena, e ele me disse: "Cara, precisamos nos encontrar mais sóbrios." Ao saber da morte de Gilberto, cujos primos conheci lá no Recife em priscas eras, saí para uma caminhada. Eu já sabia que seu diagnóstico lhe fora anunciado em sonho.
Para qualquer um, mesmo sem pandemia, é ruim morrer numa sexta-feira. Com pandemia, por um lado, talvez tanto faça. Seja como for, morrer numa sexta-feira é especialmente dramático para um judeu. Não podendo haver enterro entre sexta e sábado, tudo fica para a manhã de domingo. E no caso dele, sequer no domingo as pessoas poderão lhe prestar as honrarias de que faria pouco caso, bem sei, mas que tanto merecia. Fato consumado, inspirei-me no que ele disse sobre se dar um tempo, sobre contemplar as pequenas coisas, sobre desligarmos do mundo à volta e olharmos para dentro. Um não à hiperatividade, e um sim á introspecção. Nas margens do Sena, a vida seguia seu curso. Sábio, de onde está, ele deve dizer: melhor assim. Para quem ainda está aqui, espanta ver que a vida continua. Tão ou mais bela quanto antes.
Vai para você, Gilberto, esse meu pensamento de 29 de maio parisiense. A vida não se apercebe de nossa partida. Só aqueles a quem somos irmanados de coração acusam o desequilibro em que incorreu o mundo. Hoje foi você. Nas pequenas rodas do cais do Sena, a juventude exulta, confraterniza, e celebra a vida. Da forma como você gostaria – especialmente nos últimos anos. Caminhei ao longo do rio, respirando o ar filtrado por uma máscara negra, evitando os jovens, mas atento a este renascer pós-pandêmico, que tanto teria te agradado acompanhar, analisar e relatar. Nossa geração agradece em peso ao cara visceralmente correto que você foi na sua vida de jornalista. Seco, claro, contundente, a ponto de conhecer o auge muito cedo. Você dignificou o ofício, seu legado pernambucano, o universalismo judaico, e amou São Paulo.
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