O Natal em Garanhuns
Devo já ter passado Natal em todos os continentes, salvo na África, e em pelo menos uns 20 países. Já passei-o no frio e no calor; cercado de muita gente e me sentindo só; ou sozinho e feliz, porque lá dentro crepitava uma chama intransferível. Não sou dos que têm ojeriza à festa ou dos que acham-na triste por alguma razão. Mas tampouco sou de pegar o telefone e mandar mensagens melosas para Deus e para o mundo. Não a desdenho por ser a glória do comércio, mas tampouco acho que, uniformemente, signifique alegria em igual medida para todos. Seja como for, na minha mitologia pessoal, o Natal conta bastante porque nele reato sempre com o melhor de minha infância.
Quando eu tinha uns dez anos – e aqui incluo três a menos e três a mais –, vivi o período dourado dessas festas. Até onde lembro, não nos vejo no Recife em nenhuma ocasião. Mas, sem qualquer esforço, porém, meio século depois, vejo-nos em Garanhuns, hospedados na casa de meus tios, e embalados em folguedos sem fim com os primos, agora engalanados por conta da data. Meus tios moravam na parte baixa do bairro da Boa Vista, que se elevava numa das colinas da cidade. Se havia ritos específicos para a noite de Natal, a Missa do Galo e, pouco mais adiante, para a passagem de ano, lembro de alguns deles esparsamente. Nada, contudo, se comparava à alegria reinante na avenida Santo Antônio.
Assim sendo, Natal para mim sempre foi outdoors. O ambiente das casas, por melhor que fosse, podia sim ser sufocante – com mães, tias e primas penteadas e maquiadas, atentas a não descuidar em nada da beleza e da indumentária. Fora assim que tinham sido criadas. Já na rua, o prazer era o de estar no meio da multidão. Garanhuns era, e continua sendo, o epicentro de uma região que compreende toda a franja sul do Agreste de Pernambuco, aquela que faz fronteira com Alagoas. Dos distritos da vizinhança, vinham os matutos, que eram famílias da roça que quase nunca apareciam e que, muitas vezes, era no Natal de nossa cidade que calçavam sapatos pela primeira vez. Raros suportavam-nos até o fim.
Imensa quermesse a meus olhos infantis, o serviço de alto-falantes que varria toda a avenida, anunciava antes de qualquer música, quem a pedira e a quem ela era dedicada. Nas roletas, jogava-se a dinheiro para ganhar uma carteira de cigarro e havia o jogo das argolas, pescaria, bingo e até tiro ao alvo. O carrossel era movido a tração humana. O mais difícil era na hora de parar, quando uns três camaradas fortões e valentes começavam a frenagem no braço ou, melhor dizendo, à base do atrito dos próprios pés com o chão –como nos Flintstones. Enquanto girávamos, um conjunto de sanfona, triângulo e zabumba embalava nossa zonzeira e era considerado um ato heroico que não vomitássemos de enjoo.
Natal era também época de castanhas portuguesas, roupa nova e a prevalência absoluta de nossas vontades, quase tanto quanto no aniversário. Os presentes eram poucos mas bons. As pessoas que eu mais deplorava eram aquelas cujo aniversário era nos dias 24 ou 25 de dezembro. Por uma estranha ironia, elas eram sumariamente subtraídas de uma prenda justa por conta da concomitância dos festejos. Era o caso de minha bisavó, nascida em 25 de dezembro, daí ser Laura Natalícia, nossa querida Lalinha. Sempre me apiedei dela por isso. O Natal de Garanhuns continua pujante embora já esteja se inspirando em outras tradições como forma de atrair turistas. Mas para mim, será sempre a festa do novo LP de Roberto Carlos.
A todos vocês que me leem, que tenham um Natal muito feliz.
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