Navegadores contemporâneos
No final da década de 1980, um emissário do Grupo Amorim ofereceu-nos uma fábrica no Porto, uma das últimas da Europa a fazer filamento de rayon viscose, espécie de seda artificial, então em voga no mundo têxtil. Despachei técnicos para avaliar a planta, mas lá constatamos o baixo atrativo da unidade. Ora, se cogitávamos de fechar a unidade de São Paulo – a maior do continente –, que sentido faria encampar uma produção precária, sujeita a crescentes pressões ambientais provindas de Bruxelas? Apesar de ter declinado da oferta, reuni-me com a família proprietária numa visita posterior a Portugal, e fui recebido com fidalguia pelo lendário seu Américo, e pelo filho António Rios Amorim, até hoje dois dos mais proeminentes empresários portugueses. Conforme concluímos à época, melhor seria investir no segmento imobiliário, dada a localização privilegiada do terreno. E assim eles devem ter feito.
Se o comércio internacional enseja a aproximação das pessoas em maior medida do que a das empresas, a empatia que se estabeleceu dessa rodada resultaria em fértil aprendizado cruzado. A Revolução dos Cravos ficara para trás, mas trazia um tempero próprio à questão da unidade fabril. Às voltas com protestos sindicais para que se salvasse os empregos, pela primeira vez ouvi de Jorge Armindo, espécie de Pedro Pertente lusitano, brilhante e operoso, que eles iriam salvar os empregados, não os postos de trabalho. Ou seja, se estes estavam condenados à obsolescência, que fossem eliminados. Quanto ao destino das pessoas, cogitariam de soluções alternativas, a começar pelo aproveitamento na própria corporação, que continua sendo o maior grupo corticeiro do mundo. Que paradigma iluminado, continuo a pensar. Como é importante fazer a pergunta certa para evitar a armadilha dos falsos dilemas.
Outra reminiscência que pauta a narrativa da Corticeira é a do enfrentamento ao regime de Salazar e seus dogmas. Apesar da Guerra Fria, eles tinham escritórios no Leste da Europa, cuja cabeça de ponte ficava em Viena. Assim como Roberto Marinho dissera aos militares que "de meus comunistas, cuido eu", seu Américo sabia que o autoritarismo acabaria e que os interesses econômicos, mais perenes e menos voláteis, não deviam ser sacrificados ao altar de ideologias estreitas. É pensando nisso que torço para que o setor privado não retroaja nos entendimentos que vem estabelecendo com o Irã. Pois apesar dos destemperos de Trump e da histeria disruptiva que tanto o fascina – desde que ela signifique destruir o legado de Obama –, a diplomacia corporativa vê sempre mais longe do que a de Estado. São essas as preciosas lições que trago das mariscarias de Matosinhos, quando Portugal ainda despertava de longa hibernação.
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