Histórias de Natal

Na infância, não havia o que se comparasse ao Natal em Garanhuns. Não é que os tenhamos passado todos lá, mas alguns dos melhores aconteceram na cidade natal da família. Na Avenida Santo Antonio, especialmente no trecho que ia da Prefeitura até a igr...
Histórias de Natal

Na infância, não havia o que se comparasse ao Natal em Garanhuns. Não é que os tenhamos passado todos lá, mas alguns dos melhores aconteceram na cidade natal da família. Na Avenida Santo Antonio, especialmente no trecho que ia da Prefeitura até a igreja Presbiteriana, as atrações eram uma festa para os sentidos. Bingo, tiro ao alvo, "pescaria" e roleta eram diversão garantida, ao lado de um carrossel que girava a grande velocidade, propelido pela força dos braços de três homens musculosos, que tinham enorme dificuldade para freá-lo. No centro da roda, um trio de forró embalava o percurso de cavalos fixos. Além da roda-gigante e da onda, havia também as barcas de madeira que causavam enjoo nos não iniciados. O alto-falante anunciava as músicas e a quem eram oferecidas. Roberto Carlos já reinava, mas também havia espaço para outros integrantes da Jovem Guarda. Era uma maravilha.   

O primeiro Natal que passei longe da família foi o dos 17 anos. Chegara a Paris uma semana antes e só tinha de me apresentar na Alemanha nos primeiros dias de janeiro. Alojei-me num "foyer" da rue de la Glacière e fazia tanto frio que a água empoçada nas calhas da calçada estava congelada. Dali mesmo pegava o metrô até a estação Dupleix, onde morava meu primo, e podíamos ou não fazer um pequeno programa juntos com seus familiares. Importante para mim era a tremenda sensação de liberdade. Caminhava longamente do Quartier Latin até os chamados bairros populares do leste, e lá achava quermesses de rua que me lembravam os folguedos associados à época. Engraçado que o Natal cheio de glamour dos Champs-Elysées não me dizia grande coisa. Se em Paris não tínhamos os divertidos matutos de Garanhuns e seus desconfortáveis sapatos novos, havia uma gente avulsa como eu que gostava da diversão popular.

No ano seguinte, eu já estava na Alemanha e apesar de ter uma namorada local, não imaginava que a festa pudesse ser tão privada, tão familiar. Passei-o com meu amigo do Mali, o divertido Modibo Keita, que desfilava sua beleza africana entre as alemãs, fazendo enorme sucesso. Se aquele não foi o mais alegre da vida já que estávamos numa pequena cidade do Sul, quase Suíça, tampouco foi triste embora tenha acabado muito cedo. Por volta desses anos, lembro de uma linda celebração em Londres, na Trafalgar Square, e por essa ocasião meu irmão estava comigo. Nos anos em que estive casado, rendia-me sem sacrifício a celebrações bem diferentes daquelas a que estava acostumado. Isso porque fomos algumas vezes ao Sertão de Pernambuco, o que era divertido. Assávamos sob o sol durante o dia e à noite nos refrescávamos com a família imensa, em torno de pessoas hospitaleiras a quem quero bem até hoje. 

Na faixa dos 30 anos, já alforriado para viver as datas como bem me aprouvesse, tanto passei-as em brancas nuvens quando namorei orientais e não-cristãs, quanto a data virou sinônimo de trégua desses ritos. Então, viajávamos. De lá para cá, o Natal funcionou mais como uma trégua de planejamento, como uma janela para ficar comigo mesmo e me preparar para a longa ausência de janeiro, mês durante o qual quase nunca fico no Brasil. Esse recolhimento se deve muito à minha própria natureza, a meu jeito de ser. Dito de outra forma, gosto da contramão. Quando está todo mundo festejando, aprecio a quietude da casa onde eu esteja mais comigo mesmo. Ou, eventualmente, aceito um convite simpático para uma ceia animada em casa de alguém de quem goste muito. Mas sem crianças barulhentas, sem ritos religiosos elaborados nem lágrimas. Mesmo assim, começo cedo e termino cedo porque o bom para mim é o depois, o pós-Natal. 

Seja do jeito que for, é inevitável que pense nos amigos que morreram ao longo do ano que vai ficando para trás, nos que estão por alguma razão privados do convívio com a família e nos que estão lidando com diagnósticos cruéis, que os levam a se perguntar se estarão aqui em 2019. Mas nada disso pode toldar o brilho da festa. O Recife é privilegiado sob esse aspecto: a culinária é esplendorosa e todos os sabores de infância estão presentes. Durante a semana que passou, fiz comemorações ao meu estilo e logo mais saio da cidade para que os que ficam sejam poupados de minhas intransigências. Eu vou cuidar da vida em São Paulo antes de decolar rumo ao frio, de onde manterei vocês informados. A todos os que me acompanharam por aqui durante este ano, ao longo de centenas de artigos, meu muito obrigado. Se 2019 for igual, já está de bom tamanho. Tenham um Feliz Natal cheio de sorrisos, guloseimas, amor e carinho. 

Veja mais notícias sobre Memória.

Veja também:

 

Comentários:

Nenhum comentário feito ainda. Seja o primeiro a enviar um comentário
Visitante
Quinta, 21 Novembro 2024

Ao aceitar, você acessará um serviço fornecido por terceiros externos a https://amanha.com.br/