Delfim, enfim
Se ninguém consegue ser economista sendo apenas economista, como dizia Keynes, Antônio Delfim Netto, morto na segunda-feira retrasada (12) aos 96 anos, fez jus ao diploma que a USP lhe concedeu e se tornou o mais eclético representante da categoria no Brasil. Combinando erudição com farta experiência ministerial e parlamentar, além de interlocução frequente com empresários, políticos e jornalistas, reuniu conhecimento suficiente para transformá-lo em sabedoria – isto é, a capacidade de, para além da compreensão técnica de quase qualquer tema em discussão, entender que ele jamais se limita à pura racionalidade livresca. Diferentemente de muitos de seus sucedâneos, às vezes excessivamente dogmáticos, Delfim sabia que a política, inclusive a econômica, é a arte do possível.
Daí a encarnação de analista e conselheiro, já nas últimas duas décadas de vida, ser a sua "melhor versão", como se costuma dizer atualmente. Longe da necessidade de tomar decisões amargas, conciliar interesses conflitantes ou conservar e expandir o próprio poder, Delfim sentiu-se à vontade para desfilar cultura e conhecimento de causa sobre os problemas brasileiros, numa amostra daquilo que vale tanto para países quanto empresas: é mais fácil falar do que fazer, e muitas vezes as melhores qualidades de um profissional só ficam salientes quando escalado para observar os acontecimentos de fora.
Exemplos no mundo corporativo não faltam. Peter Drucker (1909-1935) prestou assessoria às maiores empresas do mundo, deu aulas, proferiu palestras e escreveu alguns dos mais celebrados livros de administração do século passado. Por que não montou seu próprio negócio e colocou em prática tantas boas ideias? "Não consigo gerenciar pessoas. Não consigo contratar nem demitir" (p. 70). Henry Mintzberg, com produção talvez ainda melhor que a do guru Drucker, certa vez foi perguntado: "o que o senhor já administrou?". A resposta foi sincera: "administrei algumas coisas, sim, mas não muitas. Se esse quesito importa, esta entrevista não deveria acontecer". James O. McKinsey, fundador da multinacional de consultoria que leva seu sobrenome, experimentou o papel de CEO em uma companhia que veio buscar seus serviços de advisement. O resultado? "Nunca antes, em toda minha vida, soube o quanto era muito mais difícil tomar decisões empresariais próprias do que aconselhar os outros a respeito do que fazer" (p.39).
Quando ministro, Delfim foi acusado de manipular índices de inflação, garantir o "milagre econômico" às custas de uma brutal recessão posterior e beneficiar empresários amigos com subsídios e proteções. Como analista, pairava acima de disputas políticas, ideologias e rivalidades empresariais, tal como um oráculo. Até recolher-se por motivos de saúde, era figurinha fácil nas páginas dos principais jornais como colunista ou entrevistado, a opinar sobre tudo e sobre todos. Prova de que, às vezes tardiamente, todos descobrimos o inevitável: "a pessoa é para o que nasce".
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