Amos Oz, quase um amigo
Já é noite da sexta-feira na Europa Central e, chegando ao hotel, sou informado da morte de Amos Oz, talvez o maior escritor de Israel, terra pródiga em grandes talentos, muitos deles seus amigos próximos. De Oz, tenho uma recordação muito especial e quase pessoal, embora não tenha envolvido sequer um aperto de mão.
Foi em outubro de 2009. Estava eu visitando com um cliente a Galileia onde tenho ancoradas algumas de minhas melhores lembranças de juventude. Caída a noite, ao voltar de Metula, procuramos um lugar para pernoitar próximo a Kyriat Shmona, onde teríamos compromisso no dia seguinte. Foi então que se deu a magia.
Isso porque vi numa estrada vicinal uma placa anunciando que havia um Zimmer livre para pernoite, espécie de arranjo de hospedagem israelense muito simpático em que um quarto ou mais são disponibilizados numa propriedade que ficou muito grande para seus donos originais que, geralmente, continuam vivendo lá.
Depois de um chuveiro reparador e de uma limonada refrescante, fiquei conversando com o casal de donos e disse-lhes que gostara imensamente do quarto e do lugar. Então eles disseram que a suíte onde eu estava hospedado fora ocupada por Oz e esposa, que lá estivera com toda a família para festejar seus 70 anos, poucos meses antes.
Se esse tipo de coincidência pode parece fortuito e algo trivial, para mim se tratou de fonte de grande gratificação interior. De Oz li tudo. Desde os ensaios até os romances, passando pela prosa poética de inegável beleza. Em Oz admirava mais do que o homem de letras, o humanista de grandes horizontes numa terra dada à polêmica e à hipersensibilidade.
Mais recentemente, na Feira do Livro de Frankfurt, externei a um agente israelense minha veneração pelo grande ser humano que abriu sua picada na vida apesar da dor, e talvez por causa dela. Quando ele disse que as posições políticas de Oz não eram muito populares na Israel de hoje, vi ali um motivo a mais para admirá-lo.
Obrigado por tudo, Amos. Graças à sua pena, o mundo ficou mais inteligível. Graças à sua sensibilidade privilegiada, a charada que é o Oriente Médio ficou mais fascinante. Graças a você, entendi a junção do Oriente com o Ocidente. Pela sua mão, cresceu em mim o fascínio pelo Leste da Europa, por suas noites de treva, e pelos silêncios do wadi.
Todá rabá. Boa viagem.
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