A cruzada de Monsieur Thevoz
Senti a morte do chefe suíço George Thevoz, cujos restaurantes marcaram época no eixo Recife-Olinda. Cordato, embora no limiar da antipatia, conversar com ele em francês nos propiciava um distanciamento didático do público observado, sendo este minha própria gente. Investido de missão catequética numa terra afeita a porções copiosas, dada a dividir pratos (nem sempre por economia, mas por espírito gregário), e que desprezava "hors d´oeuvre" e "pâtisserie", não foi fácil impor guarnições discretas, quase coadjuvantes, em detrimento de montículos de arroz, farofa e batata. Para ele, desde o lendário L´Atelier, o jantar perfeito tinha de percorrer o receituário clássico francês, e para tanto aguentou expressões amuadas, fato que não o intimidava.
Foi assim que George educou uma geração de recifenses que, mais adiante, chegaria às boas mesas do Sudeste e da Europa sabendo que a arte culinária pede a apreciação uniforme de todas as etapas. Pedaço de nossa juventude que se foi, Thevoz sabia que o paladar pernambucano é arraigado a uma matriz luso-africana que o imuniza a outras influências. Daí a falta de boas opções de massa, de orientais ou mesmo de sírio-libaneses. Fosse um oportunista, poderia ter sucumbido às "fondues" de aceitação fácil, em salas refrigeradas de um cenário helvético-tropical. Mas preferiu conduzir-nos pela mão a fazer a travessia do chambaril para os suflês, da feijoada para o magret, e dos bifes de caçarola para os tournedos quase crus, de crosta selada.
Mas o crucial sempre me pareceu manter um padrão constante de opções de entrada e sobremesa, quando os destilados ou fermentados em Pernambuco lhes fazem as vezes. No lugar das profiteroles, o uísque. Do crème brûlée, o vinho tinto. Do foie gras, uma vodca, e o carpaccio de peixe é trocado por uma cerveja. Maior desespero lhe dava o hábito de desconstruir os pratos para deles fazer tira-gosto. "Não faz sentido sacrificar um steak au poivre ao altar dos petiscos para agradar quem está mais interessado em beber do que em comer", dizia. Enfim, que fiquem essas considerações como o tributo de um visitante ocasional a quem nos ensinou, apesar dos percalços, que comida é também arte e cultura.
Merci, George.
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