O papel do líder é pensar o futuro da empresa
Joseph Thomas Elbling, o Tom, adiantou o relógio alguns anos. Sua cabeça está no futuro, e é este o papel que ele tem no comando do Grupo Digicon. Com sede em Gravataí (RS), o grupo é formado por duas empresas: a Perto S/A, fabricante de automação bancária e comercial que ele preside, e a Digicon S/A, empresa que é presidida por seu irmão, Peter Richards Elbling, e que desenvolve soluções para mobilidade urbana e controle de acesso, entre outras especialidades. No início dos anos 2000, ambos assumiram as rédeas dos negócios fundados pelo pai, o engenheiro Joseph Elbling, em 1977. As estrepolias criativas de "Joe", narradas na biografia "Um Certo Mr. Elbling" (Bookman, 2017), forjaram na segunda geração um tônus de inventividade, como se percebe nesta entrevista que Tom Elbling concedeu a AMANHÃ. Com seu estilo franco e direto, ele expõe pontos de vista que merecem atenção – especialmente quando se leva em conta o pedigree tecnológico alcançado por uma empresa que nasceu num modesto vestiário em uma zona quase erma, no incipiente distrito industrial de Gravataí.
O grupo Digicon nasceu no final dos anos 70 e naquele período inicial firmou sua marca participando da fabricação de produtos como mísseis terra-ar e satélites espaciais. De que modo aquele período, digamos, pioneiro, desbravador, marcou a atuação do grupo?
Empresas são, em grande parte, um reflexo das pessoas que as dirigem. Quando nos envolvemos em projetos como o dos mísseis, era a época dos governos militares, e eles estavam muito interessados em tornar o Brasil autossuficiente em alguns armamentos e tecnologias. Fazia sentido para eles. E eles foram, então, procurar empresas que poderiam fazer, executar estes projetos. Por que a Digicon se prontificou? Primeiro, porque meu pai era o tipo do cara que gostava de desafios técnicos. Ele era wired (programado) daquela maneira. Se tinha uma coisa que apresentava um desafio técnico,ele ficava imediatamente interessado.
Cabeça de engenheiro?
Cabeça de engenheiro. Mas mais do que isso, cabeça de fazer uma coisa diferente que, talvez, outros não pudessem fazer. Ele se interessava muito por isso. E esses projetos dos militares excitavam muito meu pai porque o desafiavam intelectualmente. Literalmente, o que era feito? O Brasil comprava os mísseis, desmontava e depois dava peças para várias empresas que se habilitassem a fabricá-las. Peças complexas. Os girômetros e os giroscópios que fizemos na Digicon são artefatos muito complexos para fazer. São eles que dão a direção do míssil. É a coisa básica do míssil. E ele pegou o desafioe disse "Eu posso fazer... Eu tenho um pouco de experiência da minha carreira trabalhando nos Estados Unidos, na Farrand; na Inglaterra; na Itália." Então ele juntou tudo isso...
Juntou tudo isso e cumpriu a promessa de fazer?
Sim, fez. Mas se a gente coloca isso em termos de resultados para a empresa, provavelmente eles não foram expressivos financeiramente. Mas o que estes projetos deram para a empresa, e para as pessoas que trabalharam nestes desenvolvimentos, foi a visão de que a gente podia fazer coisas difíceis, desafiadoras. Que empurrassem os horizontes da empresa mais longe. E aquilo é que deixava o meu pai feliz. Quer um paralelo? Eu vi, recentemente, o filme Ford versus Ferrari. O Ferrari, o que ele gostava mesmo, era de carro de corrida. E ele fazia carros para vender porque ele queria sustentar a área de carros de corrida. Ele era um cara de corridas, não é? Não digo que o meu pai fosse assim, mas ele pensava assim: "Olha, se eu tenho um negócio, mas ainda posso fazer coisas especiais, coisas extraordinárias, isso me interessa!". E muitas empresas trabalham assim.
Por exemplo?
Por exemplo, a Porsche. A Porsche é uma empresa de automóveis de enorme sucesso, extremamente lucrativa e tudo. Ela vive do sucesso que obtém vendendo carros para pessoas normais. Agora, ela também tem toda uma área de carros de corrida que também sustenta a companhia psicologicamente.
Estás falando de marca, de imagem, não?
Exatamente. Quem dirige um Porsche sente que está dirigindo um carro cujo fabricante faz outros modelos para correr, para competir. E são carros que ganham as 24 horas de Le Mans, na França, entendeu? E nós fazemos um pouco isso, ainda hoje. Por exemplo, se você olha o sistema de controle de acesso criado pela Digicon. Temos uma área de controle de acesso muito bem desenvolvida, mas temos um novo sistema que utiliza câmeras, o dFlow (sistema de bloqueio em que as portas ficam abertas e só se fecham em caso de acesso não-autorizado. Luzes que acompanham as pessoas identificarão se alguma delas deve ser barrada). Nós estamos vendendo esse sistema em lugares muito sofisticados, em sedes de empresas internacionais. Porque o dFlow é uma tecnologia única. Ela é um pouco o nosso atual carro de corrida, sabe?
É patente internacional?
É patente internacional de invenção. Recebemos a patente no Japão, recebemos nos Estados Unidos. É uma coisa única que inventamos, ninguém tinha feito isso antes. Foi invenção do Peter (Peter Elbling, irmão de Tom e presidente da Digicon, empresa-irmã da Perto Automação. Ambas constituem o Grupo Digicon).
"A alta liderança tem que estar preocupada com o futuro, com o que vai satisfazer o cliente e garantir boa parte do faturamento da empresa daqui a cinco anos. É este o papel do líder"
Voltando à origem: a empresa se impôs desafios complexos no início, mas houve um momento em que precisou repensar sua linha estratégica para obter resultados mais robustos. É um processo delicado, este?
Quando saíram os militares, a situação mudou. O governo Fernando Henrique entrou e deu início aos acordos com os chineses - um deles para fazer satélite e colocar o Brasil na área espacial. Aí o governo foi atrás: "Quem poderia fazer componentes para satélite?" Pensaram "Bom, a Digicon fez mísseis, então vamos falar com eles." E aí houve uma continuidade dessa linha de negócios. Que parou quando Lula assumiu. Ele trazia outras prioridades. Então nós fizemos satélites até o final do governo Fernando Henrique, e alguns foram lançados até depois de seu governo. Eu lembro que na época dos acordos Brasil-China para lançamento de satélites os chineses não estavam tão avançados quanto estão hoje. Havia mais paridade entre os dois países do ponto de vista do domínio da tecnologia. No nosso projeto conjunto, o lançador era chinês, mas muito do satélite em si era nosso, era brasileiro. E funcionou.
E como foi a transição para o momento seguinte, em que a ênfase deixa de ser a realização de projetos surpreendentes, complexos?
Você sempre tem que pensar no pão do dia a dia. Porque você pode, sim, fazer estas coisas fora da curva, mas só se você tem alguma coisa que te sustenta no dia-a-dia, entendeu? A nossa experiência é essa. Nós fomos permitindo alguns sonhos, mas não podemos ficar sonhando o tempo inteiro. Nós temos que ter, também, alguma coisa que nos dá a sustentação, o feijão-com-arroz. O que é que a gente vende todos os dias que vai poder sustentar a empresa? E tem outra coisa que eu venho falando bastante. Qual que é o role, o papel, da alta diretoria, do presidente, de uma empresa?
Talvez não haja outro tema tão relevante a ser discutido, ainda mais em uma situação de paralisia econômica e incerteza trazida pela pandemia.
Eu acho que o presidente e os altos diretores têm que estar preocupados com o futuro da empresa. Não com o faturamento de hoje. O faturamento de hoje já está determinado - você tem os seus produtos, seus serviços, aquilo que você projetou quatro, cinco anos atrás. Agora tem que pensar o que é que vai satisfazer o meu cliente, quem vai ser o meu cliente, daqui a três, quatro, cinco anos. Eu estou me preparando para isso? Entendeu? Isso é o que a alta liderança tem que ter em mente.
Mas esse não é um exercício corriqueiro, especialmente para líderes que estão colhendo resultados expressivos e que são tentados a pensar que o futuro será uma mera extensão do passado ou do presente.
Alguma conexão com o futuro é preciso haver. E tem líderes que, por conta disso, tomaram decisões super-abruptas. Decisões de até sair do core business. A Intel fez isso. Ela era uma empresa que fazia memórias e a um certo ponto determinou: não vamos mais fazer memórias. Porque esse negócio tem muita gente disputando, os preços estão caindo... "Não vamos fazer mais memória, vamos entrar em microprocessadores." A Intel já fazia um pouco de microprocessadores e mudou completamente a estratégia. Migrou para microprocessadores e continua aí.
No seu caso, como isso se aplica?
Como que eu vejo o meu papel? O meu papel é perguntar "O que é que nós estamos preparando hoje, na nossa engenharia, e que vão ser os produtos que vão gerar 30%, 40% da nossa receita daqui a dois, três, quatro anos?" Eu tenho que ter isso mapeado. A empresa é um organismo. E, como qualquer outro organismo, pensa na sobrevivência. Em sobreviver. No almoço, a preocupação é com o jantar. No jantar, a preocupação é com o café da manhã. Depois, com o almoço outra vez. Isso faz com que as empresas estejam preocupadas com o que elas já têm em seu prato hoje. "Como é que eu vou fabricar isso? Como é que eu vou fazer isso melhor, com um custo mais baixo?" Mas, em um empresa assim, pouca gente está pensando no futuro. E os caras que são os responsáveis por pensar no futuro da empresa são os membros da alta diretoria. E especialmente o líder do negócio.
O líder hoje, aquele que está lidando com os problemas de 2020, precisa colocar a cabeça em 2025, projetar-se em um outro tempo. É isso?
Exatamente. É o que eu estou dizendo. Eu não posso estar preocupado com os pedidos que eu já ganhei ou com aqueles que eu estou na iminência de ganhar. Ok, vamos atrás disso, e tudo bem. Mas eu estou preocupado é com o seguinte: no meu leque de desenvolvimento de produtos e serviços, e de ideias, eu vejo um grande futuro daqui a três, quatro anos?
Como você responde a esta pergunta?
No meu caso, eu estou vendo um grande futuro. Estamos fazendo muita coisa legal. Não quero entrar em detalhes da nossa empresa. Mas eu acho que o líder da empresa tem que estar pensando dessa maneira. Porque se ele não pensa dessa maneira... a empresa ficará preocupada só com fazer ajustes, melhorias, "que incremento a nossa engenharia pode fazer nesse produto?", coisas assim. O que o cara que está na alta liderança têm que fazer? Pegar justamente aqueles projetos que às vezes as outras pessoas na empresa não acham importantes. Mas que ele, o líder, acha importante. "Esse é o futuro pra nós."Então o líder cuida desse projeto. Ele vai, visita...Amanhã, por exemplo, eu vou estar em um supermercado que está testando uma máquina nova que desenvolvemos.
Como colocar este senso de futuro na cabeça das demais pessoas de uma companhia?
Eu só falo de três, quatro ou cinco projetos que estamos fazendo. Todos os dias, pra todo mundo. Eu só falo disso. "Ah, no que o Tom tá pensando? Ele tá pensando em um novo POS (maquininha de passar cartão), em mais isso e em mais aquilo. É nisso que ele tá pensando. Ele só pensa nisso." E é verdade. Porque o resto... O resto vai andar como tem que andar. "Ah, vamos ganhar um pedido de 1.500 caixas eletrônicos convencionais", ótimo, no problem, mas isso é o hoje. E os projetos do futuro, como estão? O líder tem que pensar e cuidar deles como se fosse um nenezinho, empurrar estes projetos para a frente. Outro dia, num projeto que eu consideraria de alta prioridade, foram retirados três ou quatro caras. Eu digo "Por que você tirou os caras sem me falar?" Claro, há uma resposta, "Veja, Tom, temos outros projetos para tocar". Verdade. Mas a solução não é essa, não pode ser essa. "Este projeto aqui na minha opinião é o futuro da empresa, não pode tirar gente dele..." Porque se eu não avanço nisso agora, eu não terei nada daqui a três anos, entendeu? Não é que eu não vá ter nada, propriamente, mas eu ficarei atrasado nessa corrida para o futuro. Agora, nesta pandemia, estou forçando nossos times a desenvolverem estes novos produtos mais rápido para que eu possa colocar logo em campo e testar junto a nossos clientes. Isso leva tempo, tem que colocar o produto em teste, arrumar o que precisa ser arrumado...Tenho visto resultados muito bons, já, e precisamos andar rápido para acertar o produto e então daqui a pouco eu poderei procurar os grandes clientes para colocar isso no mercado.
Esse "daqui a pouco" significa alguns anos?
Não, significa alguns meses. Mas esse produto é "o cara" pra fazer a diferença daqui a três anos. Por quê? Eu coloco para rodar experimentalmente, sem custo algum, em alguns clientes. Esse teste vai levar alguns meses. Mas antes de este cliente comprar 150, 200 máquinas, ele vai levar alguns anos formando esta convicção. Então eu tenho que botar isso em vários lugares diferentes, porque eu tenho que convencer os clientes ao longo do tempo - é um produto muito novo, que não existe no Brasil. E que fará grande sucesso. Eu estou de olho neste "cara" já faz algum tempo. Eu disse para meu pessoal, "acho que estamos prontos no Brasil pra isso".
Então o líder não pode deixar o gestor tão solto porque sua tendência seria a de esgotar a agenda operacional em assuntos do dia a dia?
Mas é bom isso. Não estou dizendo que é errado. É bom. Porque são os gestores que estão tocando o dia-a-dia. Eles estão gerando o dinheiro de hoje, entendeu? O dinheiro que está entrando agora. Isso é bom, eles não estão errados. Eu tenho o meu papel, e, como eu disse, acho que a alta gerência de uma empresa tem que estar preocupada com o futuro da companhia. No dia-a-dia está tudo montado, o sistema já é feito para rodar assim, de olhos fechados. E esta situação deixa a alta administração com tempo para pensar, testar e... formular novas ideias para o futuro. Então cada um tem o seu papel. Eles, os gestores, não estão fazendo errado. Mas eu vejo como, incrivelmente, as empresas tendem a se voltar para a simples sobrevivência. Como qualquer organismo.
"Nosso conhecimento avançado em automação bancária nos permite ver diferentes maneiras de entrar em áreas novas"
E por vezes a questão do dia a dia deve mesmo se impor?
Recentemente, ganhamos um pedido de um banco que pressionou a gente a baixar o preço. Muito dos meus gerentes disseram "Aceite o preço do banco." Eu ponderei "puxa, mas é um preço muito mais baixo". Eles responderam "Mas ainda vamos ganhar algum dinheiro, e este pedido vai deixar a fábrica com trabalho." E eu resistindo, pensando puxa vida, estamos deixando dinheiro na mesa. Mas, finalmente, nós fechamos, pelo preço que o banco queria. Eu concordei com meus gerentes. Porque eu preciso deles, também. Então disse a eles "Tudo bem, vamos fechar por este preço, vamos pegar este pedido, que é bom em termos de volume, e vocês tentem baixar os custos de produção." Concordei com eles, mas sei que eu preciso contar com eles, também, para fazer coisas nos meus projetos especiais que são o futuro da empresa.
Quando se trata de inovação, como você equilibra disrupção e melhoria contínua? E, também, como lida com a escolha sobre o que desenvolver em casa e o que comprar pronto?
Nossa experiência é fazer um pouco de cada um destes caminhos. Vamos pegar como exemplo um dispensador de cédulas. Hoje eu posso colocar uma eletrônica melhor, motores mais eficientes, posso usar novos materiais, posso fazer um mecanismo dispensador mais eficiente e de mais baixo custo. Mas no final de contas esse equipamento vai estar fazendo a mesma coisa: estará dispensando dinheiro. De outro lado, há situações em que vemos oportunidades em áreas novas. São situações em que a gente pode dizer, olha aqui, nós temos todo este conhecimento da área de automação bancária e podemos fazer algo novo. Estamos trabalhando na periferia da área de parking vendendo terminais de autoatendimento para estacionamentos. Porque olhávamos as cancelas e os equipamentos dos estacionamentos e víamos que eram soluções muito antigas, motores, por exemplo, muito inferiores aos que se pode utilizar hoje, softwares muito precários, que não se comunicam, ferramentas que não se falam... Nos sistemas de automação bancária, os softwares têm que ter muita capacidade de interligação. Caixas eletrônicos de diferentes fabricantes precisam falar com um mesmo banco, entendeu? E a gente não via isso em estacionamentos. Então ficamos olhando isso por algum tempo e concluímos que, entrando nesta área de automação para estacionamentos, nós temos muita coisa mais avançada para oferecer. São soluções que nós trazemos de nossa área de automação bancária.
E foram em frente?
Sim. Dito e feito. Entramos nesta área oferecendo um sistema automatizado de controle de entrada e saída de veículos, entre muitas outras possibilidades. O pessoal de parking tinha parado no tempo, estava com sistemas muito defasados em matéria de tecnologia. Já vendemos muitos sistemas novos de estacionamento, e há mais players do setor querendo conhecer a solução automatizada – que, aliás, é largamente utilizada no exterior. Em Heathrow, você não vê uma só pessoa para receber o pagamento. Existem 120 máquinas para se pagar o estacionamento no aeroporto. Mas, claro, para automatizar você precisa ter um equipamento que seja extremamente reliable (confiável), que não quebre. Para citar um exemplo que eu sempre utilizo, o sistema tem que ser um Corolla. O Toyota Corolla é um carro que não quebra, que não dá problema. Isso é o que eu digo para o meu pessoal. "Gente, no estacionamento nós estamos vendendo automação, tecnologia... mas também estamos vendendo um conceito de que esse sistema é muito reliable. Então nós temos que ter um equipamento muito seguro. Precisamos poder dizer e garantir que nosso equipamento não quebra. Em um estacionamento automatizado, em que não há gente operando, isso é absolutamente fundamental, porque qualquer problema cria um pandemônio. Já na fase de testes eu dizia para meu pessoal: qualquer problema, por mínimo que seja, vou exigir que se vá atrás, se saiba o que aconteceu, por que aconteceu e se elimine esta possibilidade, porque o que estamos vendendo é o futuro do estacionamento. Isso está na nossa história. Com os mísseis, era a mesma coisa. E nossos mísseis sempre funcionaram.
O controle de acesso da Digicon, que recebeu patente internacional, usa inteligência artificial. Como você vê o grau de incorporação da chamada indústria 4.0 no Brasil?
Há, no Brasil, algumas empresas muito avançadas nisso e que estão atendendo às necessidades da agricultura brasileira com drones, com sistemas para guiar os tratores. Essas empresas surgem aqui, no Brasil. São locais. Estamos falando de empresas brasileiras de alta tecnologia, porque o agronegócio tem dinheiro e está dizendo "nós precisamos disso, precisamos de soluções de alto nível". Porque o nosso solo é diferente do solo americano, e a tecnologia precisa ser adequada à realidade do Brasil. Eu destaco este aspecto porque a agricultura brasileira é fantástica, é a turbina da nossa economia. Meus amigos de agricultura, como o Eduardo Logemann, dizem que em algumas culturas o agricultor brasileiro é muito mais produtivo que o norte-americano. Eles não estão nem perto da gente. Não só por termos um solo fantástico, mas pela capacidade que nossos produtores estão demonstrando de tirar mais e mais da terra.
Focar ou diversificar? Muitas empresas se confrontam com este dilema.
Eu penso muito nesta questão. Se você diversifica demais, acaba dirigindo seus recursos para muitas frentes e isso faz com que cada área não tenha, talvez, os investimentos necessários para realmente prosperar. Nós mesmos, na Digicon, tivemos esta situação lá no início. Havia sete negócios diferentes e a gente faturando algo como 25 milhões de dólares ao todo. Cortamos para três negócios. E focamos para crescer nestas áreas que tinham maior potencial. Mas, ao mesmo tempo, se você foca demais, pode ter um problema. Aumenta o risco de depender de um negócio só. Então você tem que usar regras para diversificar, e cada empresa deve determinar as suas próprias diretrizes em razão da situação competitiva em que se encontra. Isso o Michael Porter explica bem. O caso da Porsche, que lançou outros carros e inclusive um SUV para atender a outras demandas, mas sem perder a alma que consagrou a marca, é um bom exemplo. Ela jamais faria um carro compacto, econômico. A Porsche tem consciência de que é vista como um carro de luxo, e tratou de aumentar seu business com uma regra que poderia ser definida assim: diversifico, ma non troppo. Diversifico sem exagerar. Com inteligência.
A Digicon se instalou na Índia desde meados da década passada ao inaugurar uma fábrica de caixas eletrônicos. Qual é a avaliação que você faz sobre a Índia?
Nós fizemos na Índia uma coisa que eu espero que outras empresas brasileiras façam. Porque vejo muitas sinergias entre Índia e Brasil. A Índia é um lugar para investir a longo prazo, e isso é importante ter em conta. Não é lugar para investir pensando em retorno em cinco anos. É coisa para dez, quinze, vinte anos. Você tem que ficar lá. Tem que fazer parte da vida do país, se tornar conhecido lá, integrar o ecossistema de negócios da Índia. E então você ganha credibilidade, e depois sim você começa a gerar resultados, vendas. Isso está acontecendo conosco agora. Estamos chegando a um ponto em que um banco que comprava no início dez ou quinze máquinas, depois 60... agora está pedindo mil máquinas. Há uma licitação agora para fornecimento de dez mil máquinas. Mas para participar disso você tem de estar lá, com visão de longo prazo. Os indianos são bastante abertos a empresas de fora e eu acho que o Brasil tem tecnologias que podem ser adequadas para o mercado indiano. A Weg, por exemplo, está lá. A Marcopolo também investiu na Índia, através de um acordo que fez com a Tata. No caso da Weg, vejo que a empresa está levando bombas de irrigação, e a Índia é um país que precisa muito desse tipo de equipamento. Mas ainda vejo muito poucas empresas brasileiras lá.Por ser uma democracia, como o Brasil, a Índia deveria ser vista com mais atenção.
"Entendemos que a prioridade deve ser fortalecer o caixa da empresa, e não o patrimônio de seus donos. Por isso, preferimos deixar parte ou a maior parte dos lucros na empresa. É ela que deve ser blindada"
É um ambiente seguro para negócios?
É um país que tem leis, e estas leis têm de ser obedecidas. Diferentemente da China, por exemplo, que é uma ditadura. Temos visto, recentemente, algumas empresas japonesas que foram para a China, desenvolveram parque industrial por lá e agora estão ouvindo das autoridades coisas como "Não queremos mais você aqui. Nossas empresas já sabem fazer o que você faz." Na Índia, o governo está sujeito às leis e não pode fazer isso com uma empresa que atua há dez, quinze anos no país. Por isso há tantas multinacionais se dando muito bem na Índia, como a Nestlé. Os indianos são muito bons, e negociam de forma transparente. No nosso caso, nunca vi qualquer tentativa, por exemplo, de cobrança de propina ou outra prática de corrupção. Eles querem produtos que funcionam bem e a preços justos. Você fala com um banco de bom nível na Índia e o diálogo é muito semelhante ao que você tem com um banco de bom nível no Brasil.
A pandemia é um cisne negro, como ficaram conhecidos os eventos improváveis, mas com um impacto enorme. Muitas empresas não conseguirão resistir. Como você pensa que as empresas devem se preparar, em tempos normais, para crises deste tamanho? Seu pai, Joseph Elbling, fundador da empresa, dizia na sua biografia que o caixa de qualquer empresa precisava resistir a qualquer tormenta, e ser capaz de pagar salários em dia mesmo que ficasse um ano sem realizar uma única venda.
Foi um dos pillars (pilares) que vieram do nosso fundador. Então a gente é muito cuidadoso com o caixa. Por exemplo, a questão de pagamento de dividendos. Somos muito cautelosos neste assunto. A gente prefere ter um caixa saudável, mais do que dar dividendos para nossos acionistas, que são poucos. Então temos um caixa que nos permite passar vários meses sem ter nenhuma venda – o que, felizmente, não é o caso. O que me deixa surpreso, nessa pandemia, é a rapidez com que muitas empresas entraram em crise. Acho que isso tem a ver com uma certa mentalidade de empresário que pensa o seguinte: "Se eu sou o dono, proprietário da empresa, esta empresa trabalha para mim. Então, se a empresa gera lucro, eu tiro o meu lucro. Deixo alguma coisa na empresa, para o dia-a-dia, mas tiro o meu lucro. Eu e minha família vivemos dos resultados da empresa. A empresa é uma maneira de eu me manter." Esta é a filosofia que vejo em vários casos. Ela é válida, mas a meu ver não é a mais apropriada.
Digamos que é visão da empresa como uma vaca leiteira.
Exatamente, é pensar que eu tenho uma empresa para dar resultados a mim. Mas nós olhamos a questão de um modo diferente. Ok, somos proprietários da empresa, mas nós temos 2.200 famílias para sustentar. Nós temos uma responsabilidade com eles, também. Somos responsáveis por manter produtos, por vender, etcétera. E eu não posso ter uma situação em que, se houver um problema por dois meses ou um pouco mais, eu não tenho caixa para sustentar as operações. Penso que, para evitar situações como esta, o mais correto é deixar no caixa da empresa uma parte ou mesmo a maior parte do dinheiro, para que ela fique saudável. Depois eu posso retirar a minha parte, não tem problema – mas nunca de um modo que possa deixar a empresa desestabilizada caso aconteça uma situação mais difícil, como vemos nesta pandemia. Entendeu? Eu já ouvi de empresários algo desse tipo, "a empresa existe e trabalha para mim". É uma abordagem em que o empresário blinda o seu patrimônio, ainda que a companhia esteja em crise ou quase quebrando. Nossa visão é outra. Em primeiro lugar, tem de proteger, tem de salvar a empresa.
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