Inserção do vinho no cálculo da inflação gera polêmica
Desde janeiro o vinho passou a fazer parte do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que mede a inflação oficial do país. De acordo com o IBGE, 377 produtos e serviços serão analisados no índice atualizado, com a inclusão de 56 itens que refletem novos hábitos de consumo dos consumidores, como o vinho. Até então, o vinho entrava no subitem "outras bebidas alcoólicas" que contemplava diversos produtos.
Pedro Kislanov, gerente do IPCA no IBGE, contou ao Blog Cepas & Cifras que a coleta dos preços será feita tanto em supermercados e lojas especializadas quanto em restaurantes e bares – para incluir o vinho que é consumido fora de casa. A cesta de rótulos analisados (proporção entre vinhos finos e de mesa) será montada a partir do nível de detalhamento das despesas apuradas nas residências dos brasileiros. “A amostra é representativa e contempla os rótulos mais consumidos no país”, assegura Kislanov, sem dar mais detalhes.
Kislanov adianta que o IBGE só divulga variações de preços para os subitens – não para os produtos. Ou seja, será possível saber como se comportou o valor do vinho em geral, não de um rótulo especifico. No dia 7 de fevereiro será divulgado o resultado do IPCA de janeiro e a informação específica sobre a variação do preço de vinhos será disponibilizada pela primeira vez no Brasil. Na visão do técnico do IBGE, será preciso aguardar as primeiras divulgações para avaliar como será o impacto da bebida de Baco no índice. “Os subitens de maior peso no IPCA, como gasolina e energia elétrica, por exemplo, de fato costumam ter um impacto maior mesmo com menores variações de preço. Entretanto, itens com menor peso, mas maior volatilidade de preços, como o tomate, por exemplo, podem apresentar impactos significativos”, explica.
A inserção da bebida no cálculo da inflação tem gerado acalorada polêmica. “O IBGE não deveria se preocupar com o vinho, visto que nosso consumo não chega a dois litros per capita, diferentemente da cachaça que é de 10 litros”, opina ninguém menos que Carlos Cabral, uma das personalidades mais respeitadas do mercado brasileiro de vinhos. “A inserção do vinho no cálculo da inflação denota a importância crescente deste mercado no Brasil. Se, em termos de consumo per capita há uma estabilidade, pode-se considerar que, ao menos economicamente, o vinho se torna cada vez mais relevante no país”, contrapõe Vinícius Santiago, diretor de degustação do capítulo gaúcho da Associação Brasileira de Sommeliers (ABS-RS).
Mas e se o vinho eventualmente for apontado como vilão do orçamento familiar? Pela ótica de Santiago, não há problema. “Os preços dos vinhos variam de acordo com fatores como custo de produção, impostos e taxas, fretes e demanda. Os produtores levam em conta estes fatores na hora de construir o preço final de seu produto. Os valores podem variar absurdamente porque as variáveis também flutuam imensamente, principalmente a demanda”, justifica Santiago. Para o diretor da ABS-RS, ainda faltam subsídios metodológicos para determinar o grau de influência da variação da bebida no IPCA. “Isso vai depender principalmente de como será feita a coleta e análise de dados para o cálculo da inflação. A variação dos preços nos vinhos é imensa entre produtos, mas pode ter seu impacto minimizado dentro de cada categoria. O preço dos vinhos de mesa de [uvas] americanas não varia tanto quanto o preço dos vinhos importados da França, por exemplo”, esclarece.
Na mão inversa, Cabral não se conforma com o fato de a bebida ter entrado no cálculo. Na visão do consultor, se o vinho se tornar um dos estopins da inflação, será um desastre para a cadeia vitivinícola. “O brasileiro é sugestionável e não tem opinião própria. É do tipo ´Maria-vai-com-as-outras’. Os que bebem pouco, deixarão de tomar; os que pretendiam experimentar, vão fugir dele para sempre; e os que bebem bem vão se beneficiar, pois com a queda violenta nas vendas, os preços baixarão muito. Em resumo, poucos serão os privilegiados”, antevê Cabral. Para ele, o varejo tem diversas formas de trabalhar sua política de preços, algo que pode impactar direta ou indiretamente o cálculo da inflação. “Há os supermercados que pedem investimentos promocionais, os que trabalham com preços cheios de comprar, os que aplicam margens distintas por origens, os que corrigem semanalmente os preços dos vinhos importados devido às constantes flutuações do câmbio”, lista Cabral, que também é consultor do Grupo Pão de Açúcar há mais de 20 anos.
Os especialistas ouvidos pelo Cepas & Cifras fazem ressalvas quanto à proporção de vinhos que o IBGE poderá utilizar em sua amostra. “Julgo que deveria ser cauteloso dividir esta coleta de preços em metade para brasileiros e metade para importados, e focar toda a coleta no setor de vinhos finos, uma vez que todo o vinho importado entra nessa escala de qualidade. Embora somente 30% do vinho brasileiro seja do tipo fino, ele pesa muito na balança de gastos, seu valor é alto e se equipara ao vinho importado, mesmo com custo em dólares baixo”, contextualiza Cabral.
“Cerca de 75% dos vinhos consumidos no Brasil são brasileiros. No caso dos vinhos finos, os rótulos mais consumidos são, de fato, importados e, nesse caso, o dólar pesará muito. No quadro geral, o dólar tem um impacto relevante na produção de vinhos no Brasil porque muitos dos insumos e equipamentos utilizados são importados”, explica Santiago. “Os vinhos, principalmente os importados, tiveram aumento de preço significativo em 2019 por dois fatores principais: a desvalorização do real e o reajuste da substituição tributária. Além disso, algumas importadoras vinham segurando suas tabelas de preço para não perder mercado nos últimos anos”, recorda Santiago.
Os restaurantes poderão ser decisivos para o grau de influência do vinho na inflação, pois os valores cobrados costumam ser bem maiores do que aqueles vendidos nos supermercados, por exemplo. “A diferença principal está na conveniência. Por isso é costume no mercado comercializar linhas de produtos diferentes para pontos de venda diferentes, de modo a minimizar esse efeito e reduzir a comparação entre preços distintos para produtos iguais”, descreve Santiago. “Os restaurantes têm alguma métrica para precificar vinhos. Ela pode ser arbitrária e não padronizada, mas cada um estabelece sua métrica. E a entrada do vinho no IPCA provavelmente terá pouco impacto nessa forma de precificar vinhos, pois falta treinamento de gestão de negócio em restaurantes no Brasil”, atesta o Sommelier que também já trabalhou em vinícolas em Bordeaux, na França. “Não se deve comparar preço de vinho no importador, no supermercado e no restaurante, pois isso é loucura. Para efeito de estatística, vão pegar pelo [preço] maior, que será sempre o do restaurante. É uma cultura estúpida que temos de colocar valores abusivos nos vinhos em restaurante, justamente sobre um produto que já vem pronto e que é só tirar a rolha e servir”, vocifera Cabral.
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