A bondade como negócio
De Paris (França)
É difícil entender as motivações de quem vandalizou a estátua de Ariano Suassuna, no Recife. Mas sou dos que acham que isso tem boas chances de resultar da onda que levou multidões a atentar contra a memória coletiva dos povos e a derrubar monumentos. E que assim agiram para defender uma bandeira que dizia respeito só a elas. É assim: fulano mereceu um busto em reconhecimento à importância que teve para a ciência, a cartografia e a astronomia, por hipótese. Mas aí um desocupado, cioso por holofotes e negocista do bem, desses que monetizam a virtude e lucram muito com ela, descobre que esse mesmo figurão era indiferente à sorte dos pretos, e que passeava numa liteira carregada por eles, como era comum na época. De alto-falante em punho, convoca-se uma multidão e destrói-se a estátua sob alegação de racismo – ignorando o essencial da biografia do homenageado.
Ora, quando o Recife presta homenagem a Manuel Bandeira, por exemplo, não se espera que todos gostem dele ou de sua poesia. A cidade quer lembrar a ligação que há entre o poeta e o logradouro. Há uma função social de resgate coletivo. Mas um oportunista dirá: "Alto lá, Bandeira tinha em casa uma preta chamada Irene, que lhe fazia cafunés e papas de araruta. Então vamos apedrejá-lo." Ora, se você aplaudiu que se destruísse a estátua de Colombo sob quaisquer alegações, você foi, embora indiretamente, cúmplice do sucedido a Ariano Suassuna, no silêncio da Rua da Aurora. Se você acha que os novos critérios de premiação do Oscar são válidos, mesmo que passem ao largo do valor artístico para contemplar o amor ao bem, você fomenta o aparecimento do que mais diz detestar, que é o mal. Se você aplaudiu que emporcalhassem a imagem de Churchill, eis aí a nossa paga. Ela veio a cavalo e em domicílio.
Estou cada dia mais precavido contra os moralistas, os cabotinos, os demagogos, os caroneiros das causas alheias, os panfletários de hashtags, os que acordam com o olho nos Trending Topics do Twitter, os que para tudo assacam um ar de espanto. É por causa deles que existe Trump, Duterte, Orban e por aqui fico. Os ditos sensíveis demais pouco se importam com o mal porque são os maus que dão sentido à bondade de que tiram o sustento. Eles se definem a partir dos outros. É nisso que dá a política de cotas, a vigarice e o lugar de fala. Ontem Churchill; depois Colombo e hoje Ariano. E amanhã? Os politicamente corretos acabaram com a esquerda, a direita e o centro – tudo em favor do sectarismo. Acolhamos quem é do bem, mas fiquemos longe de quem vive de aparentar sê-lo. Bondade não precisa de propaganda. Solinca dizia que um tigre não proclama sua tigritude. Ele ataca. A bondade se vive. Como fazia Ariano.
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