Um hotel que vale a pena

Sempre que se fala em restaurante de hotel e hotel de aeroporto, pessoas experientes de todo o mundo torcem o nariz. E, normalmente, com razão. Na primeira categoria, mesmo numa cidade gastronômica como São Paulo, a imensa maioria dos restaurantes de...
Carreira

Sempre que se fala em restaurante de hotel e hotel de aeroporto, pessoas experientes de todo o mundo torcem o nariz. E, normalmente, com razão. Na primeira categoria, mesmo numa cidade gastronômica como São Paulo, a imensa maioria dos restaurantes de hotel se contenta com alinhar travessas de comida anódina e de sabor tão neutro quanto possível – logo, nada autoral – para agradar o maior número de comensais e reduzir as queixas a nada. A meta é fidelizar um público tão pragmático quanto as iguarias. Em igual medida, a vizinhança dos grandes aeroportos do mundo geralmente conta com grifes consagradas e caras. Como hóspedes, conta com gente exausta pela travessia de muitos fusos e só interessada em se entocar num quarto silencioso e escuro no aguardo da conexão que a levará ao destino.

Mas é lógico que há exceções para tudo. Restaurantes de hotel também podem ser maravilhosos. Na já referida capital paulista, temos um templo como o Fasano. Nas grandes cidades do mundo, gourmets exigentes se curvam diante da excelência do The Connaught londrino, onde fui convidado certa vez pelo generoso publicitário Caio de Alcântara Machado - de quem ficara amigo na Rússia. O brunch do Alvear portenho é um hino de amor à vida. O Cipriani do Copacabana Palace proporcionou aos cartolas da Fifa algumas de suas últimas alegrias à mesa antes da detenção coletiva de muitos deles no Baur Au Lac, de Zurique –também dono de um cardápio apreciado, onde já degustei o delicioso Röstli na companhia de Herr Wirz, da Siber Hegner, nos idos dos 1980. 

Quanto aos hotéis de aeroporto, eles já não sensibilizam mesmo, salvo pela praticidade. Poucas cidades são tão privilegiadas quanto o Recife, onde o aeroporto está a não mais que cinco quilômetros da orla marítima da cidade. Impessoalidade, de resto, é de praxe. Qual não foi minha surpresa dia desses, contudo, quando cheguei a Paris, vindo da Polônia e tarde da noite, para, no dia seguinte, voar para a Escandinávia. Não havia alternativa, salvo achar um hotel no Charles de Gaulle. No site de reservas, me chamou a atenção um certo Citizen M, colado a um dos terminais. O preço estava correto para o que anunciavam – 120 euros – e resolvi conferir. Pois bem, antecipando o desfecho esperado, posso afirmar que foi uma de minhas melhores experiências no ramo. 

O começo foi péssimo. Cheguei à recepção e o "check in" era feito em terminais do tipo caixa eletrônico. Não tivesse já pagado, teria voltado dali, sendo notória minha aversão à tecnologia. Mas o terminal era pelo menos bem humorado. Em meio às piadas que a máquina fazia – recado importante: se você fumar no recinto, paga 150 euros na hora e afins –, fui relaxando até que ela me desse a chave. A caminho do quarto, mesas enormes com vários computadores de tela grande e hóspedes animados conviviam com a informalidade de garotões de start up. O staff era todo muito bem entrosado e o bar pululava de gente a meia-noite. Ao lado, um bufê de seleta comida quente admitia que muitos de nós podíamos estar com a fome do fuso de origem. Imensas prateleiras expunham livros de arte de toda sorte – pintura, fotografia, gastronomia, esportes - e flores frescas compunham um ambiente alegre.   

O quarto não chegava a ser nada de especial. Era só bom e funcional. Mas tudo mudou de figura quando acionei o tablet que descansava à mesinha de cabeceira. Com um toque se tem acesso a pelo menos dez tipos de iluminação ambiente. O cardápio de filmes envolve os mais impensáveis - isso mesmo que você está pensando – em altíssima definição e grande variedade. Até as opções de despertador passam de uma dúzia – a Marselhesa, passarinhos, o rufar de tambores, Chopin, Rolling Stones – e se regula a cortinas e black out também a partir de um toque levíssimo. Na saída, de uma postura resistente apenas algumas horas antes, eu já era todo gentileza. Então um garçom me apontou um dos donos. Era holandês, o que não me espantou. Pediu-me para sentar e ofereceu um café. Disse que estava louco para abrir um no Brasil. Fui sincero: estamos em má forma, mas o momento é esse. Para surfar a boa onda de 2019, quem sabe? Está, portanto, dada a dica. 

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Sexta, 29 Março 2024

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