Terapia do otimismo
O ciclo eleitoral que se encerrou domingo pode até ter sido de duração curta, quando comparado com os anteriores. Mas as reverberações intensas por certo que esgarçaram boa parte do tecido de convivência que unia os brasileiros, e precisaremos de tempo para que cauterize. Mal comparando, vivemos durante meses sob o império de um ódio surdo, a um distante passo de nos comportamos como os hutus e tutsis, de Ruanda, mas bastante próximos dos padrões que vicejam hoje em países conflagrados pela dicotomia entre a laicidade e a ortodoxia ou entre o pertencimento ao Oriente ou Ocidente. Esse mal-estar civilizacional afinal chegou a nossas terras e acreditar na rápida restauração de velhos laços seria subestimar o alcance da apologia do ódio que foi inoculada pelos porta-estandartes de cada time.
E, no entanto, será preciso saber virar a página e cerrar fileiras em torno da postulação vencedora. Se é patente que o país estava fadado a perder com qualquer um dos finalistas, sendo difícil aquilatar qual das propostas era mais superficial, é preciso acreditar nos nutrientes da democracia. Agente terapêutica poderosa, dentro de quatro anos ela nos dará outra chance de avaliar desempenhos e aprimorar critérios. No bojo de um Congresso renovado dentro do razoável, e com o advento de novos atores políticos, as forças vivas do Brasil saberão se aferrar ao vigor de suas instituições. Nesse contexto, convém impedir que fissuras políticas refreiem a concertação com a agenda de mundo que cadencia e organiza um país da envergadura do nosso, e à qual não podemos nos permitir ficar indiferentes.
Como impõe-se trazer uma palavra de alento nessas circunstâncias, três pontos merecem exame detido. O primeiro é que a democracia brasileira não corre perigo. A sociedade midiática, mobilizada em escala gigantesca pelo universo entrelaçante do numérico, apontará quaisquer desvios que emulem na prática os excessos retóricos de campanha. Imprensa e Judiciário são instâncias bem vicejadas nessas lides e o sucesso da operação Lava-jato apenas confirmou que estamos prontos a afrontar interesses graúdos sem perder o brio ou a capacidade de sorrir. Há de se confiar também nas regras do convívio internacional que sancionam frontalmente o arbítrio e a truculência. Mesmo potências que fazem dispêndios militares generosos vão às cordas quando perpetram crimes contra a opinião. Não seremos exceção.
A segunda boa nova é irmã gêmea da terceira. A candidatura perdedora era notória adversária do liberalismo e da responsabilidade fiscal. Nos dias em que vivemos, isso equivaleria a lançar a economia em mais uma irrefreável espiral de benesses de curto prazo, o que nos levaria a novas turbulências ao cabo de meses, quando não ao desmonte do equilíbrio social, como visto em países vizinhos. De mais, o papel deletério do Estado na atividade econômica não se justifica à luz de nossas mazelas mesmo porque ele sempre se provou perdulário e assistencialista. Dar livre curso às chamadas forças de mercado é um bom começo para que o governo disponha de meios para cuidar do que lhe compete, que é universalizar o acesso à saúde, à escola, à segurança e às oportunidades.
Por fim, legitimado pelas urnas, que o novo núcleo dirigente não descuide do mérito das reformas. Se foi uma fatalidade que a reforma da Previdência tenha se esfarelado nos céus quando ganhava altitude, impõe-se trazê-la de volta à mesa de par com as reformas trabalhista e política. Nesse ponto, é lícito esperar que sendo o novo governo uma pedra nua sobre a qual não se tenham lavrado posições doutrinárias rígidas, é forçoso concluir que nem tudo são espinhos na jornada que se inicia. Que a pirotecnia da campanha ceda lugar ao pragmatismo e à sensibilidade que devem nortear os responsáveis pelo destino do Brasil. Eis, portanto, servido à mesa o antissistema pelo qual clamava a sociedade. Oxalá a vontade da maioria continue a ser sábia. Quem somos nós para duvidar?
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