O caso para se comprar Brasil

O sentimento com o país está primordialmente negativo. Ao invés de desespero, vemos esse grande consenso como potencialmente positivo para preços de ativos no futuro
Existem no Brasil uma série de empresas excelentes, com ótimos fundamentos e bem geridas

Fizemos uma série de reuniões com investidores estrangeiros na última semana. Vimos que o sentimento com o Brasil está negativo, o que fica evidenciado pela saída de R$ 77 bilhões de investidores estrangeiros na B3 neste ano. Ao invés de desespero, vemos esse enorme consenso como potencialmente positivo para os preços de ativos daqui para frente. Isso porque quaisquer melhoras nos fundamentos domésticos ou globais podem levar para uma forte recuperação nos preços de ativos brasileiros (bolsa, câmbio e juros), como vimos nos últimos dias. Mesmo com o rally das ultimas semanas, o Brasil ainda continua sendo a pior Bolsa e pior moeda do mundo em desempenho em 2020. Mind the gap...

Nessa última semana fizemos uma série de reuniões virtuais com mais de uma dezena de investidores estrangeiros. Discutimos as nossas visões e debatemos quais as impressões deles sobre o Brasil. Já estamos nos acostumando com o "novo normal" de reuniões virtuais, ao invés de ter de passar meses dentro de um avião e longe de casa, que era basicamente a vida de um analista de ações até hoje. Não que as reuniões virtuais são melhores, não são, mas ao menos a produtividade é maior, pelo tempo ganho de não ter que se locomover grandes distancias. Veremos como será o amanhã, quando o mundo voltar ao "normal".

Mas o quê os investidores estrangeiros estão esperando do Brasil no momento? Em uma frase curta: não muita coisa. Vimos que na grande maioria de reuniões que fizemos, o sentimento dos estrangeiros com o Brasil estava bastante negativo. Mas antes que você se desespere, leia esse texto até o final. As maiores preocupações eram, nessa ordem: 1) Política, e quais os riscos da crise política aumentar; 2) A crise do coronavírus, dado que a mídia internacional já coloca o Brasil como o epicentro da doença no mundo no momento, enquanto Europa e Estados Unidos já dão sinais de terem passado o pico do vírus; e 3) O câmbio, dado que o Real brasileiro é a pior moeda do mundo em performance em 2020 (queda de 30% em relação ao dólar).

De onde fomos, para onde estamos
No começo de 2020, lembre-se que estávamos em uma situação diametralmente oposta. As expectativas com o Brasil eram muito altas, pois havíamos acabado de aprovar a reforma da previdência, que nos salvaria de uma situação calamitosa de dívida pública, dado que deixaremos de gastar R$ 800 bilhões em uma década. Além disso, o mercado já aguardava o avanço de outras importantes reformas, como a administrativa e a reforma tributária. O país dava claro sinais de aceleração da atividade econômica, com uma expectativa média de crescimento acima dos 2% novamente, pela primeira vez desde 2013. Crescimento acelerando, combinado com os juros mais baixos da história do país e com uma agenda de reformas estruturais avançando eram o cenário ideal para a Bolsa brasileira.

Até que caiu um meteoro em cima do país e do mundo, parafraseando o Ministro Paulo Guedes. Não só a pandemia nos trouxe uma grave crise de saúde e perdas de dezenas de milhares de vidas, que são irreparáveis, como também trouxe uma gravíssima crise econômica, com grandes proporções. O Brasil será um dos países mais impactados economicamente, com uma queda de PIB de 6% (estimativa da XP) ou mais, além de um déficit primário de até 14% do PIB, e uma elevação da relação dívida PIB subindo de 84% para próximo de 100% ao ano.

Além dessas duas crises (saúde e economia), o país adicionou uma terceira crise – a crise política. Tivemos nos últimos dois meses a saída de três ministros e rumores frequentes sobre uma possível saída do ministro da Economia, Paulo Guedes, sempre negados. A saída de Moro e as graves acusações feitas por ele ao Presidente da República levaram a Bolsa a quase bater o seu recorde de sete "circuit-brakers" em um mesmo ano (-10% de queda no dia). Além disso, vimos trocas de acusações entre os três poderes, um desalinhamento entre prefeitos, governadores e o governo federal em como lidar com o rápido avanço da pandemia, e até discussões sobre um possível impeachment retornando (seria o terceiro em nossa história recente).

Também observamos, do lado setorial, várias medidas sendo discutidas que remetem ao passado do país, como sobretaxar setores específicos (como bancos) ou discussões em confiscar uma parcela dos lucros das companhias na Bolsa. Felizmente, discussões como essas não foram em frente até agora, mas trazem um grande receio por parte dos investidores estrangeiros quando pensam em investir seus recursos no país, pois trazem incerteza em relação ao futuro no país.

Baixas expectativas geram oportunidade de compra
Todo esse cenário traçado até agora não é positivo, mas também não é mais uma novidade. As três crises são graves e preocupantes – e os seus impactos são sem precedentes em grande parte. Porém, as expectativas hoje em relação ao Brasil já estão muito baixas. O Brasil já tem a pior Bolsa e a pior moeda do mundo neste ano. Qualquer melhora marginal já pode trazer bons retornos aos ativos brasileiros (ações, juros e câmbio). Os investidores estrangeiros já sacaram mais de R$ 77 bilhões da Bolsa brasileira em 2020, sem incluir emissões de novas ações, e cerca de R$ 65 bilhões de saída quando são incluídas as emissões (B3).

Além disso, as expectativas de Lucros do Ibovespa para 2020-21 já reduziram em -47% e -15% desde março, indicando que o mercado já passou a precificar uma boa parte dos impactos da crise. Como exemplo disso, 38% dos resultados do primeiro trimestre vieram em linha com as expectativas do consenso. Os preços das commodities caíram a níveis historicamente muito baixos, e começam a ensaiar uma recuperação, principalmente o preço do petróleo. Lembrando que 25% do índice Ibovespa é composto por ações do setor, por isso a recuperação das commodities terá um impacto relevante no índice. No médio prazo, o potencial retorno da inflação no mundo é uma discussão que passou a ganhar mais peso recentemente. Caso isso aconteça, as commodities tendem a se beneficiar.

"País de ações individuais, não de índice"
Ouvimos uma frase interessante de um dos investidores, que nos disse que como o Brasil hoje representa pouco do índice de Mercados Emergentes (MSCI EM), os investidores não precisam mais olhar para o índice da Bolsa no Brasil, e sim se importar apenas com ações individuais de empresas de qualidade. Isso porque o Brasil é o quinto maior representante do índice, mas com uma participação pequena de apenas 4,7% do índice de mercados Emergentes (China 40%, Taiwan 12%, Coreia do Sul 12% e Índia 8%).

Segundo esse investidor, existem no Brasil uma série de empresas excelentes, com ótimos fundamentos, bem geridas e participando de processos de disrupção do setor, como Magazine Luiza, Localiza, PagSeguro e Stone (não cobertas), Raia Drogasil, Hapvida (não coberta), dentre várias outras citadas. Esse fenômeno de investidores estrangeiros podendo prestar menos atenção ao país e mais em ações específicas pode ajudar a explicar a razão pela qual muitas ações negociam com múltiplos de avaliação bastante elevados enquanto outros setores negociam com um grande desconto em relação aos seus pares globais e ao histórico (como as commodities e o setor financeiro).

A pandemia da Covid-19 já contabiliza mais de 22 mil mortes no Brasil, e apesar de sermos um dos países que menos testa seus habitantes, já somos a segunda nação em número de casos, com mais de 360 mil, atrás apenas dos Estados Unidos, com 1,6 milhão de casos e quase 100 mil mortes. O contínuo aumento de casos no Brasil fez com que os EUA anunciasse um bloqueio temporário de passageiros vindos do Brasil. No modelo proprietário de previsão da XP, a estimativa é que o Brasil pode estar próximo de alcançar o pico de casos, que pode ocorrer já no início de junho. Porém, é importante frisar que a desaceleração também tende a ser lenta, e caso a movimentação de pessoas volte a aumentar antes do pico, isso pode fazer com os casos continuem acelerando, e o pico.

Risco político continua, mas pode ter se reduzido
Por último, do lado político, o tão aguardado vídeo da reunião ministerial que foi divulgado na última sext- feira não parece ter trazido um forte indício por parte do Presidente da República de querer intervir diretamente na Polícia Federal para benefício próprio, como havia sido divulgado após a saída do ex-Ministro Sergio Moro. Dessa forma, o mercado recuperou fortemente. Isso por conta do mercado passar a acreditar que diminuem as chances de um possível afastamento do Presidente à frente.

Assim sendo, o nível de ruído político pode ser reduzido nas próximas semanas e o Brasil pode voltar a focar no controle do vírus e de recuperação da economia, que são os temas mais relevantes no momento para o país. Caso o risco político reduza, isso pode ajudar os ativos no Brasil a sair do posto de pior moeda e pior Bolsa em desempenho neste ano.

*Estrategista-chefe da XP Investimentos

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Sexta, 29 Março 2024

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