Uma âncora de salvação para pequenos e médios negócios

Fornecedores de grandes empresas ganham liquidez com antecipação de receitas 
brusquee Acordos internos permitem o funcionamento das MPEs que atuam como distribuidoras e fornecedoras de grandes redes

Em um momento onde pequenas e médias empresas encontram dificuldades para obter crédito junto aos bancos, grandes grupos empresariais tornam-se agentes propulsores de liquidez. No formato chamado de crédito âncora, grandes empresas tomam crédito (ou utilizam seu caixa) e repassam aos fornecedores, emprestando sua capacidade de risco. 

O que tem acontecido até agora na crise provocada pela pandemia são acordos internos que permitem o funcionamento das micro e pequenas empresas (MPEs) que atuam como distribuidoras e fornecedoras. O recurso inclui medidas como dilatação de prazos e adiantamento de pagamentos. Isso garante o fluxo de suprimentos frente à insuficiência de dinheiro advinda da interrupção da demanda e da ineficiência das linhas de crédito lançadas por instituições financeiras. 

Segundo a Associação Brasileira da Indústria Textil (Abit), a cadeia de tecidos e vestuário tem cerca de R$ 20 bilhões em crédito gerado internamente – ou seja, em transações a prazo que não passam pelos bancos. Com a paralisação do comércio, por causa do necessária ao isolamento social, o setor chegou a manter apenas um terço de seu parque produtivo ativo. A região do Vale do Itajaí, em Santa Catarina, é o segundo maior polo têxtil do país e as MPEs somam cerca de 88,4 % dos empreendimentos. Em um contexto onde o crédito não chega na ponta, a presidente do Sindicato das Indústrias de Confecção de Brusque e região (Sindivest) e da Associação Empresarial da mesma cidade (ACIBr), Rita Cassia Conti, revela que de um universo de cerca de 2 mil empresas, quase 90 estão realizando acordos com seus clientes para garantir liquidez.

Boa parte das pequenas empresas locais fornecem produtos a grandes magazines, como Lupo, Riachuelo, Piquet, Centauro e Lojas Renner. No entanto, Rita relata que o número de gigantes do ramo dispostas a repassar crédito âncora a seus fornecedores ainda é baixo. A presidente citou apenas Renner e Riachuelo como gigantes grandes varejistas que estão realizando acordos e adiantamentos com fornecedores do polo. Rita também é diretora da empresa R.C Conti, detentora da marca de vestuário Mensageiro dos Sonhos e também fornecedora de confecções para grandes redes, entre elas a Riachuelo, que recebe 600 mil peças da empresa ao mês. "A Riachuelo ligou para mim, disse que somos fornecedores importantes e que havia conseguido fatias de crédito no BNDES que queria repassar para nós de alguma forma", recorda. Os prazos de pagamento da varejista a R.C Conti eram de 90 dias, mas a empresa faturou à vista  todos os 14 pedidos que estavam em andamento nos últimos meses. Os títulos foram abonados com 0,8% de juro ao mês, sendo aplicado por quatro meses, média que equivaleria ao período habitual de pagamento. 

Para Rita, a ajuda de custo (que se estenderá até dezembro) foi fundamental para enfrentar a crise. "Mesmo com esse juro, ainda é um valor bom, pois as taxas dos bancos são bem mais altas. Assim, tivemos dinheiro, que girou e eu consegui pagar as oficinas. Esses adiantamentos permitem abastecer toda a cadeia e impedir que ela pare," relata a empresária. Além do apoio na liquidez, acordos representam parcerias comerciais que podem se fortalecer e inclusive ditar tendências para relações comerciais futuras. "Ajudar-se mutuamente é uma visão de futuro. Isso vai ganhar peso daqui pra frente", crê. 

A empresa de Rita é bastante híbrida, atuando com marca própria e  como fornecedora de diferentes clientes. A realidade das companhias do Vale do Itajaí, no entanto, varia. Muitas não produzem para grandes varejistas e outras trabalham exclusivamente com elas. Por isso, a possibilidade de ganhar fôlego por meio do crédito âncora é bastante distinta. "Ficar dependente de um cliente só não é o ideal", alerta Rita, que ainda sente muita falta de linhas de crédito direto que sejam realmente acessíveis aos produtores do setor. Ela destaca a importância que o associativismo e a cooperação dentro do segmento ganham com a pandemia. "As associações e sindicatos são guarda-chuvas que reúnem pequenas empresas que precisam de visibilidade no momento", avalia. 

A Lojas Renner, maior companhia de varejo de moda do país, disponibilizou entre R$ 300 milhões e R$ 400 milhões para seus fornecedores. Ao mesmo tempo, recorre a uma linha do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para ampliar o alcance da iniciativa. Além do setor têxtil, linhas de antecipação de recebíveis foram abertas por empresas de diferentes cadeias produtivas, como, por exemplo, a mineradora Vale, a fabricante de autopeças Bosch e a operadora Vivo. 

Apoio às cadeias produtivas

O BNDES lançou na metade de junho a linha de crédito para cadeias produtivas. Trata-se de um financiamento a capital de giro, para empresas de grande porte (âncoras), de modo a atender a necessidade de liquidez da cadeia produtiva, formada por empresas de menor porte (ancoradas). O programa tem vigência até o final de setembro e oferece financiamentos a partir de R$ 10 milhões até R$ 200 milhões. 

A paulistana Kobold, especializada na gestão de fundos creditórios (FIDCs), viu na situação da pandemia uma oportunidade e lançou a Kobold. Capital. O novo negócio visa explorar ecossistemas financeiros e reinventar o crédito corporativo. A fórmula consiste em usar grandes empresas para fazer o crédito chegar aos pequenos. Para isso a gestora tem conversado com bancos e gigantes empresariais para estruturar linhas de empréstimos que suportem cadeias de produção. A atuação da Kobolod.Capital será focada em desenvolver infraestruturas de empréstimos e realizar a gestão de recursos de fundos especializados em crédito.

Uma opção mais tradicional, tida como solução para as MPEs que necessitam de caixa para sobreviver, é o Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Pronampe). Porém, a solução ainda não está sendo oferecida pela maioria dos brancos privados. Até o momento, apenas os bancos públicos (Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal) e o Itaú Unibanco seguem com a opção.

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Quinta, 28 Março 2024

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